Opinião: Descriminalizar o aborto é necessário

Tenho dois filhos e jamais incentivaria uma tragédia como essa, mas defendo que nenhuma mulher deve ser incriminada ao passar por isso.

Na semana em que o Supremo Tribunal Federal realiza audiências públicas para ouvir grupos pró e contra a descriminalização do aborto, lembrei da lamentável história de Ingriane Barbosa, mulher negra, doméstica, mãe de três filhos, que morreu em julho logo após tentar um aborto clandestino, em casa, no Rio de Janeiro. A mulher veio a óbito com uma tala de mamona no útero. Não houve chances para Ingriane e duas vidas foram perdidas pelo Estado.

Recentemente, uma amiga contou-me a história de quando, por um deslize na vida pessoal, engravidou e decidiu que não poderia ter aquele filho. Pegou instruções com uma amiga e, com o apoio do marido, foi até uma cidade vizinha para realizar o procedimento. Por lá, tomou fortes medicamentos e, com dores, conseguiu expelir o feto. Nos dias seguintes, junto com o parceiro, quase morreu de fraqueza e medo de ser presa; mas sobreviveu.

Minha amiga teve sorte e poderia, de fato, ter sido indiciada pelo ato. Depois de submeter o próprio corpo a uma tragédia física, moral e religiosa, ela poderia ter pagado criminalmente pelo que fez. Isso é justo? E se minha amiga tivesse morrido, bem como Ingriane, teríamos quatro vidas a menos pelo simples fato do Estado se recusar a atender pacientes com a mesma angústia. Vale lembrar que mulheres ricas conseguem interromper suas gestações em clínicas devidamente equipadas e não correm, nem de longe, o mesmo perigo que mulheres pobres.

Não é coisa de esquerdista, não é nenhuma aberração, nada disso. Uma mulher morre a cada dois dias vítima de abortos inseguros. Ninguém gosta de fazer aborto; não é divertido, não é indolor, faz mal à cabeça, ao corpo e à vida. Ninguém quer fazer aborto. Mas o fato, o inegável fato, é que mulheres em desespero por gestações indesejadas vão fazer aborto de qualquer forma; ainda que eu não goste do fato, isso vai acontecer. E ninguém vai poder impedir isso. Infelizmente.

Já convenci duas amigas a não interromperem suas respectivas gravidezes e tenho um amor infinito pelos meus dois filhos. Jamais seria a favor de que alguém praticasse tal ato, mas, sei que escolhas individuais não podem ser definidas pelo Estado. É fato que cada ser é dono de si e que cada mulher é dona do próprio corpo. Nada, absolutamente nada, pode se opor a isso.

E qual o papel do Estado nesse caso? Nenhum. A única obrigação do governo é amparar mulheres pobres, negras, caboclas que eventualmente passem por isso e evitar que duas tragédias aconteçam.

Não sou a favor de um aborto, entendo que o feto, de fato, não tem culpa de existir, mas entendo que a mulher tem o direito sobre o próprio corpo e nada pode ser feito em relação a isso. Ao obrigar uma mulher a ter um filho, o Estado pode dar origem a uma criança abandonada, sem amor, que cresce revoltada e que, no futuro, pode se tornar um criminoso. E o que fazer em relação a isso?

O debate não é religioso. A questão é de saúde pública, pura e simples.

E aos homens que se posicionam radicalmente contra e incriminam mulheres que tomam tal decisão, a pergunta que fica é: quantas crianças no Brasil não possuem o nome do pai no RG? 5,5 milhões. Essa é a resposta.

E isso também não é um aborto?
Por. Kleysykennyson Carneiro

 

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