Você é racista, sim! E é urgente que alguém te diga isso

Carta a um racista
Image: techpresentations.org

O Brasil viveu 388 anos de regime escravista e está na cara que ainda não se recuperou 131 anos depois. O gigante verde e amarelo é um dos países mais racistas do mundo e o seu povo não entendeu isso

Você já pediu ao colega de escola um “lápis cor de pele”?

Você já disse a alguém, como forma de autoafirmação, “não sou tuas nega”?

E quantas vezes você já classificou um serviço bom como “de branco” e um ruim como “de preto”?

As respostas para as três perguntas acima, provavelmente, são, respectivamente, “sim”, “sim”, “milhares de vezes”. É isso mesmo; cada brasileiro já deve ter usado todas essas expressões mais de uma vez e, o pior de tudo, é que, provavelmente, até hoje nem deve ter se tocado que essas palavras existem para reafirmar um domínio racial, reafirmar que os negros, apesar de livres há 131 anos, ainda não são parâmetro para cor de pele, que as mulheres negras são propriedades dos homens brancos e que todo o trabalho feito por mãos pretas é ruim.

Sim, caro leitor, você é racista.

É racista por que os seus pais, brancos ou não, também eram, os seus avós também, bem como toda a sua parentela. Talvez a sua maior defesa seja dizer que jamais ofendeu alguém pela cor da pele, que jamais discriminou um negro e que possui amigos até. Mas antes é preciso entender essa lógica.

De acordo com o IBGE, mais de 54% da população brasileira é negra. No entanto, apenas 4,09% dos deputados federais se autodeclaram pretos. Assustador? Então, tem mais!

No recém-montado governo Bolsonaro, nenhum dos ministros é negro. No Supremo Tribunal Federal, nenhum juiz também. E, isso é mais do que claro, ocupantes de cargos públicos, ainda que indicados por gestores do executivo, nada mais são do que o reflexo das escolhas da sociedade.

E, olha só, se 54% da população é negra e tem uma representatividade tão baixa no congresso e na presidência, fica evidente que nem os próprios negros votam em representantes da mesma cor. Por quê? É provável que pelo viés inconsciente, que é um conjunto de estereótipos sociais, sutis e acidentais que todo mundo tem sobre diferentes grupos; é um olhar automático para responder a situações e contextos do dia-a-dia. Ou seja, você é levado a acreditar, por conta de uma estrutura secular de supremacia branca, que um negro tem menos competência que um branco e, portanto, ainda que compartilhe da mesma cor de pele, acaba optando por eleger alguém branco.

No entanto, em um contexto macro, o preto tem, de fato, menos qualificação que o branco e isso, é possível, tenha influenciado nas suas decisões. Somente 12,8% da população negra no Brasil, entre 18 e 24 anos, é estudante de ensino superior. Ou seja, 87,2% desses jovens pretos está fora das universidades.

No total, apenas 34% dos universitários brasileiros são negros e 66% brancos. Ou seja, a população preta, que é BEM superior à branca, mal chega ou nem chega a ter um curso superior. Isso explica o atual contexto dos três poderes da república não terem um número expressivo de representantes. Com os negros fora da política, a lógica secular que favorece a elite branca se perpetua e o racismo estrutural é a realidade desse gigante verde e amarelo.

Vale lembrar que mais de 61,7% da população carcerária brasileira é preta ou parda. Os negros também carregam um índice assustador consigo: 76% das pessoas que vivem em extrema pobreza são da cor. A lógica é perversa e coloca o Brasil como um dos países mais racistas do mundo.

Não, aqui nunca teve um regime de segregação racial como África do Sul ou Estados Unidos. Nada disso. Lá a vergonha era mais exposta, aqui a subjugação se esconde nas entranhas da sociedade e nega a existência alegando que “eu tenho amigos negros”, “o negro pode ir a qualquer lugar”, “conheço vários negros ricos…”

Sim, você é racista por estar imerso em uma estrutura que é assim e, enquanto não tiver uma postura clara de enfrentamento a isso, continuará contribuindo para um sistema que privilegia quem é branco, em detrimento de quem é preto.

O Brasil foi o país que mais recebeu escravos no mundo e o último que proibiu a escravidão. Foram 388 anos de exploração injusta, desumana e surreal. Certas feridas não saram tão rápido e nem 131 anos de “liberdade” conseguem resolver isso.

Sim, as aspas em liberdade são necessárias. A liberdade racial que existe no Brasil estratifica socialmente, retira educação, encarcera e não elege representantes na política. O racismo é um tumor que não apresenta remissão, apesar das sessões de quimioterapia.

E o quadro tem piorado. O paciente inventou de criticar os tratamentos ultimamente e dizer que “a história não é bem assim”, “que os próprios negros foram os culpados pela escravidão, visto que os africanos entregavam os irmãos aos brancos”. O paciente inventou de dizer que a melhor forma do racismo não existir é não falar mais sobre ele, acabar com as cotas para universidade, pois todos têm a mesma capacidade de aprender, e, por fim, que a meritocracia é a melhor saída.

Não falar sobre esse fato é deixar tudo como está, aceitar que não é possível resolver o problema que temos. E, sim, não adianta negar! Nós temos um problema enraizado na sociedade. Os negros têm, sim, a mesma capacidade que os brancos, mas não possuem as mesmas chances e exigir um regime de meritocracia é pura demência.

O primeiro passo pra você, leitor, começar a mudar a realidade é aceitar que é racista. Logo depois, é necessário uma nova postura diante do absurdo que reside na subjugação da cor. Não tolerar frases, piadas, posturas é começar a se curar de uma doença que insiste em existir num país que, em partes, ainda mora no passado.

Receba as notícias do Portal Canaã

Siga nosso perfil no Google News

Deixe uma resposta