Eu nunca vi tanta tristeza quanto na hora do almoço na casa da Maria. Viúva, mãe de três, desempregada, eleitora arrependida do Jeová. Na hora do almoço, a família se sentou à mesa e tinha farinha, ovo cozido, água gelada, e um graças a Deus porque hoje era dia de fartura. Era tanta tristeza de uma vez só que a Maria engolia o choro todo dia. Com a debandada das empresas da Vale, o desemprego bateu e não tinha mais o que fazer. Pensou em se mandar, mas se mandar pra onde?
A filha, 16 anos, o menino, 14, e o caçula, 8. Tanta dor e tanto medo. Tanto julgamento. Maria se ofereceu em tanto lugar pra trabalhar pela metade de um salário e ninguém ligou. A dor de não ter o que comer deixa marcas profundas demais.
Procurou o Baiano, o Gesiel, a Vânia e o Élio… Ninguém podia fazer mais nada por ninguém, gabinetes lotados, vidas apressadas… A verdade é que ninguém tem tempo pra dor de ninguém. Maria guardava o choro na hora do almoço e descontava a dor do existir nas lágrimas silenciosas da noite.
Cortaram a energia. Fez um gato. Levaram os fios. Será que essa gente não tem coração? Eu nunca vi tanta tristeza pra um alguém só.
O filho de 14 pediu um tênis novo, pois o velho estava furado e os amigos da escola já não o deixavam em paz com tanta gozação. Maria, com toda a frustração que havia em si, revelou que não tinha um centavo sequer. O menino buscou trabalho, mas foi rejeitado por onde passou. Se meteu com bandido, tinha que levar um pacote de drogas do Parakanã para o Vale dos Sonhos. Ele topou.
A menina, chegou em casa com R$ 100 e falou com alegria que haveria comida na mesa para os irmãos mais novos. A mãe quis saber de onde veio aquilo e a menina não mentiu. O velho tinha 60 anos e precisou tomar Viagra antes, mas deu tudo certo e os 100 reais valeram a humilhação. Maria deu uma surra na menina e disse que ela nunca mais deveria fazer aquilo.
Mas comprou remédios, arroz, feijão e carne com o dinheiro.
Já era meia noite e ninguém sabia do paradeiro do filho mais velho.
O telefone tocou. Uma amiga avisava que ela deveria reconhecer o corpo. O menino foi flagrado no ato e espancada até a morte por dezenas de cidadão de bem que se revoltavam com a quantidade de bandidos na terra prometida. Morreu na hora.
Maria por muito pouco não enlouqueceu. Enterrou o filho com a dor do fracasso.
O tempo passou e a vida não melhorou. Na hora do almoço, a mesa tem mais comida, a filha sustenta a casa com o dinheiro que ganha na noite, na surdina. Maria, em depressão, finge não ver. O pequeno de 8 anos falou que quer ser como o irmão quando crescer.
A Maria sabe que se as coisas não melhorarem esse é o futuro.
Na hora do almoço, os três se reúnem. Tem uma cadeira faltando e tristeza sobrando.
Na hora do almoço é que a gente sabe quem é quem.