Eu caminhei pelas favelas. Sol a pino. Céu limpo, esgoto a céu aberto. Olhei para os postes e vi gatos de internet, energia, fiações perigosas. Pelos becos, o crack. Pelos ares, balas perdidas. No rosto do pai e da mãe, a tristeza pelo almoço que não há. A filha, que passou a noite na rua pra ganhar um trocado e que ainda não voltou. Ah, essa gente que engole sapo todo dia… Essa gente que leva bala nos rins e que ainda assim se levanta machucado pra ir à luta… Essa gente do bem, que vira do mal, por não ter saída. Essa gente que vive do além-mar, que vive de ver filho tomar sopapo de PM… Essa gente preta, mulata, quilombola que assusta branquelo que se acha cidadão de bem.
Eu andei pelo sertão da Paraíba e por tudo o que eu vi lá, entendi que a meritocracia não chegou até ali. Eu, antigo neoliberal, percebi que a tristeza transborda a alma e que não há como não fracassar em meio a tudo o que é desigual. Ser capitalista e defender essa voracidade toda do mercado, é desconhecer o que há no Brasil. O capitalismo fracassou porque a fome existe. E bate na porta da alma. A fome ainda é o fantasma que assombra o sertão de Pernambuco, do Piauí e de Alagoas.
O capitalismo é a tirania da pistolagem no Pará.
Do massacre de índios no Mato Grosso do Sul.
O capitalismo é a face mais obscura da despreocupação com a miséria, com a desolação… O capitalismo é o não-olhar para o caboclo, para o negro, para os sem-terra.
O capitalismo é o apoio descarado à grilagem de terra, ao consumir da Amazônia pelas chamas do ódio e da ganância.
Eu caminhei pelas clareiras abertas na Amazônia e vi, na prática, o fim. Passei por Mariana e pelo antigo Rio Doce e chorei. Chorei, pois o sistema fracassou. O sistema que produz homens à margem da lei. À margem do que é correto. Um menino nunca nasce mau. Um menino só quer saber de pipa e futebol, mas eu vi o menino querer vencer na vida e ser excluído pro ser preto, por não ter “perfil”. O menino tentou estudar, mas não passou no vestibular. Tentou de todas as formas escapar da miséria e não conseguiu.
O capitalismo fracassa todos os dias quando um jovem preto é morto pela PM lá no morro…
E tanta gente reclamando do comunismo que aqui nunca existiu e dá de ombros pra miséria… Essa gente não se importa com o Brasil. Essa gente se incomoda é com o pobre e o taxa de vilão. Defender o capitalismo é odiar toda essa gente que existe sem porquê. Tanto amor pela desigualdade é não se importar com a criança que vende balas no sinal.
E que leva bala nos rins dia após dia…
Eu caminhei pelo Brasil e vi que o capitalismo fracassou. É o mesmo com o Haiti, com o Zimbábue, com Burundi…
O mundo é desigual, o capitalismo é um fracasso e essa turma preocupada com a fantasia comunista…
Eu caminhei para longe dessa gente que não se importa com ninguém. O capitalismo é o ostracismo e ninguém se importa com isso.
