Especialistas apontam riscos socioambientais em projeto de transposição do Rio Tocantins

Ainda não há estudos suficientes para medir os possíveis impactos da transposição do Rio Tocantins, mas as informações preliminares indicam vários riscos, especialmente ambientais. Essa é a opinião da maioria dos especialistas que participaram, nesta  terça-feira (24), de audiência pública na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI). A intenção era obter subsídios para instruir a votação do Projeto de Lei da Câmara 138/2017, em análise na comissão.

O projeto trata da transposição das águas do Rio Tocantins para o Rio São Francisco. Pelo texto, será feita a interligação entre o Rio Preto, na Bahia, e o Rio Tocantins, para assegurar a navegação desde o Rio São Francisco até o Rio Amazonas. O Rio Preto está vinculado à bacia do Rio São Francisco. O Rio Tocantins percorre os estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, até a sua foz no golfo amazônico, próximo a Belém. O projeto também tem objetivo de garantir a “regularização hídrica” do Rio São Francisco, que tem sofrido com a redução de seu volume de água.

A preocupação da relatora, senadora Kátia Abreu (PDT-TO) era com o possível prejuízo ao equilíbrio do meio ambiente, à população e até mesmo à economia local. Antes de ouvir os especialistas, Kátia Abreu lembrou que, nos últimos cinco anos, o Rio Tocantins tem enfrentado condições adversas, com a queda no índice de chuvas. Ela mostrou fotos da situação dos rios Tocantins e Araguaia que, em alguns pontos podem ter grande parte da largura percorrida a pé em razão da falta de água.

— As notícias já não são boas e de repente vem um projeto de transposição. As pessoas ficaram apavoradas. Como é que nós vamos doar o que não temos? Não significa que não queremos, mas nós estamos com medo de não poder dar essa água — explicou a senadora, que pediu informações técnicas aos especialistas.

Escassez de informações

O Coordenador de Outorga da Agência Nacional de Águas  (ANA), Luciano Meneses Cardoso, explicou que o projeto inclui na lei que trata do Plano Nacional de Viação a interligação entre as bacias, mas não traz nenhuma informação técnica. A ANA, disse o coordenador, teria de se manifestar tanto sobre a navegação quanto sobre a regularização hídrica, mas ainda não foi acionada.

— Não existe nenhum pedido de outorga, nenhum projeto chegou oficialmente à ANA. Não há como emitir nenhum juízo de valor a partir sem conhecer o projeto da obra, porque nada chegou oficialmente à ANA.

Apesar de não haver estudos aprofundados, ele apresentou um exercício de balanço hídrico preliminar com base nas poucas informações fornecidas pelo projeto de lei (regiões atingidas). O exercício, de acordo com o coordenador, apontou uma disponibilidade hídrica de apenas 6 metros cúbicos por segundo, o que não traria benefícios para nenhuma das partes.

Riscos

O Coordenador Substituto de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Fluviais e Pontuais Terrestres (Ibama), Régis Fontana Pinto, explicou que a obra, por passar por mais de um estado, teria de ser licenciada pelo instituto, que também não foi demandado a se manifestar sobre nenhum estudo de viabilidade da transposição. Apesar de não poder apresentar uma posição oficial, ele  se disse preocupado, como técnico, dada a situação de escassez de água enfrentada pelo próprio Rio Tocantins.

— Investir recursos na recuperação, na revitalização do São Francisco, nas suas matas ciliares e na recuperação das suas margens talvez traga uma resposta mais rápida ou pelo menos com um custo bem menor e com vantagens ambientais grandes — sugeriu.

O supervisor do Núcleo de Pesquisa em Sistemas Agrícolas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Balbino Antônio Evangelista lembrou, ainda, que o Cerrado é uma região de nascentes e que, por isso, pode impactar todo o território nacional. Para ele, inicialmente, os dados apontam para a inviabilidade técnica, econômica, social e ambiental do projeto

A representante do Departamento de Planejamento Energético do Ministério de Minas e Energia na audiência,  Gilma dos Passos Rocha, concordou que há poucas informações e que o projeto não dá detalhes como os pontos de retirada de água. Ela que há, no Rio Tocantins, sete hidrelétricas, e alertou para o risco que, com a retirada de água, o desempenho dessas usinas seja afetado.

Estudo

O coordenador-geral de Engenharia e Estudos do Departamento de Projetos Estratégicos do Ministério da Integração Nacional, Rafael Ribeiro Silveira, concordou que ainda não há informações suficientes sobre a viabilidade do projeto. Ele informou que o ministério já concluiu um termo de referência para a contratação de um estudo. A estimativa é de que, após iniciado, o processo se estenda por 18 meses e aponte o traçado mais viável no ponto de vista técnico, econômico e ambiental.

— Há a necessidade de elementos mais concretos para que a gente possa comprovar ou descartar a viabilidade técnica, econômica, social e ambiental do projeto. Em nenhum dos estudos anteriores, a gente possui elementos muito concretos em termos topográficos, geológicos e de planos ambientais que comprovem a viabilidade — disse.

Após a manifestação dos participantes, Kátia Abreu disse que dispensaria a outra audiência prevista para instruir o PLC, porque o texto não contém informações suficientes para que as partes envolvidas possam se manifestar. Ela disse que seria perda de tempo discutir em cima de um “improviso e de um conteúdo fraco”. A senadora informou que chegou a uma conclusão e que, quando surgir uma proposta mais consistente e factível, estará pronta a debater o conteúdo.

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