AIDS E ATIVISMO, por Joddal Simon

1.      Ser ativista não é só participar de uma ONG ou frequentar esporadicamente reuniões coletivas. Ativista é aquele que propõe, executa, mas também denuncia e reivindica com fundamentação. Não existe ativista profissional, de gabinete, entre quatro paredes. Não se faz ativismo só com palavras, por telefone ou pela Internet. O ativista
tampouco pode se apegar somente aos métodos tradicionais de diálogo e rituais demorados de convencimento.

2.      O ativista tem que dar as caras, tem que soltar a voz, ir às ruas sempre que necessário, ocupar a mídia, conquistar a opinião pública, envolver os políticos, gestores e governantes e empresas.  A todo momento, com garra e disposição, o ativista precisa provar que a Aids continua sendo uma urgência humanitária que exige medidas e respostas excepcionais.

3.      O ativismo em Aids perde o sentido quando é movido por obrigação institucional, por interesses individuais ou por ambições pessoais. O ativismo depende do compartilhamento de um sonho, desde o momento em que
nos juntamos e começamos a realizar algo que aparentemente parecia impossível.

4.      O enfrentamento da epidemia da Aids demanda uma grande ação, exigente e complexa; supõe uma preparação adequada, um domínio de técnicas e uma disponibilidade de recursos. Não é tarefa simples para o ativista cumprir o papel de atender as necessidades que não são cobertas pelo Estado, mobilizar a sociedade civil, defender os direitos dos cidadãos à saúde e à vida e, ainda, fiscalizar as ações governamentais.

5.      Cada vez mais pragmáticos e assoberbados, temos reservado muito pouco tempo e espaço para recuperar nossa história, expor nossos sentimentos e refletir “em nome de que” cada um de nós se mantém de pé nessa batalha.

6.      Diferentes motivos levaram centenas de pessoas a se engajar ao longo de mais de três décadas de luta contra a Aids. Os precursores foram movidos pela urgência, pela dor da perda e da saudade, pela revolta e pela vontade de viver. Juntou-se o exercício profissional de uns, o compromisso de cidadania de outros, o espírito solidário de muitos, o interesse pelo trabalho voluntário, pela militância política e pelo controle social.

7.      Assim, criamos um movimento genuinamente comunitário, uma grande colcha de retalhos heterogênea, tecida com rostos e histórias pessoais de engajamento.

8.      Quem dá vida a essa colcha são cidadãos, homens, mulheres, jovens, adolescentes e até crianças, gays, prostitutas, travestis; são pessoas vivendo e convivendo com HIV e Aids que dão as caras contra o preconceito e lutam pelo seu próprio destino; são aqueles que conduzem as ONGs de convivência e as casas de apoio, locais que acolhem com dignidade pessoas vivendo com HIV excluídos da sociedade; são agentes de prevenção que chegam aos adolescentes nas escolas, aos meninos de rua, aos usuários de drogas; são os que se dedicam às crianças órfãs que
viram pai e mãe desaparecer por causa da Aids; são aqueles que entram em presídios e cadeias, que sobem morros e favelas, que vão até os garimpos e aldeias, que estão perto das mulheres violentadas, dos moradores das
periferias esquecidas dos grandes centros, próximos daqueles sujeitos a toda forma de opressão e exploração; são também ativistas políticos que atuam na defesa dos direitos humanos e civis; são os cientistas, as empresas e são também os que ocupam espaços formais de representação; somam-se os fóruns de ONGs, as redes de pessoas com HIV e Aids, movimentos de minorias, associações comunitárias e religiosas.

9.      Além de reconhecer o quanto é essencial o envolvimento e a atuação de cada indivíduo, o quanto é insubstituível o trabalho de cada ONG, não podemos deixar de cultivar o segredo do ativismo em Aids. Este segredo
não se resume à capacidade intelectual ou à competência de trabalho. Não está ligado apenas ao poder de mobilização e de articulação.

10.     Não é apenas ideológico, muito menos técnico. O segredo é que nos envolvemos com amor e com disposição naquilo que vivemos. A luta contra a Aids estará perdida, se for abandonado esse modo único e peculiar de
aprender e tocar as coisas, que é a paixão do ativista por essa causa.

11.     É fato que a forma de fazer ativismo mudou, assim como a epidemia também se transformou ao longo do tempo. Mas vale a pena parar para refletir sobre algumas práticas atuais do ativismo em Aids.

12.     O ativista, por exemplo, não pode permanecer ligado à agenda dos programas oficiais de Aids, sob o risco de cooptação e simbiose, o que levaria à perda de sua identidade e autonomia. Não dá para aceitar que
os programas de Aids promovam a banalização do ativismo e tentem “enquadrar” o movimento de acordo com as necessidades do momento. O Estado deve reconhecer e viabilizar o controle social sobre as políticas
de Aids, sem a obsessão de querer inventar espaços que pulverizam nossas representações, ditar as regras e promover a cultura do “reunismo” , que mais protela do que resolve os problemas. Diante da omissão ou
conivência, o ativista perde sua condição de parceiro e se reduz à cúmplice.

Multiplicam-se os espaços consultivos, para que as ONGs digam amém à ação governamental previamente definida e deliberada. Mas faltam espaços onde ativistas possam de fato exercer o papel de propor políticas e diretrizes, fiscalizar o emprego do dinheiro público, apontar o que não está sendo realizado e criticar, de forma construtiva, o que não está sendo bem conduzido.

13.     O ativista, quando se dedica exclusivamente à caça de recursos e à agenda dos projetos financiados, passa a viver atrelado ao financiador, é reduzido a mão-de-obra barata, perde a identidade, deixa de exercer o papel de agente transformador da realidade e enfraquece o movimento coletivo.

14.     O ativista perde sua essência e afasta de sua base de atuação quando se rende ao jogo de vaidades, aos interesses políticos, financeiros e acadêmicos, à disputa rasteira por pequenos poderes, prestígio, viagens
ou carreirismo.

15.     O ativista carrega a grande responsabilidade de valorizar as conquistas, mas também de levantar os erros e fracassos, e de ajudar a construir novas respostas.

16.     O ativista deve admitir que, diante da nossa história de mobilização e de luta, e com todos os recursos atualmente disponíveis para combater a Aids no Brasil, são insuficientes certos resultados alcançados. Os
prêmios são muitos, mas os problemas também. Sobram elogios, mas faltam respostas eficazes em vários aspectos da prevenção e da assistência. O ativista, definitivamente, não pode ser conivente com o ufanismo em torno da “epidemia cartão-postal”.

17.     Ser ativista não é apenas contribuir burocraticamente com a luta contra a Aids. Ser ativista é estar sempre pronto a prestar contas da esperança que habita em nós.

Joddal Simon – Humanista e Ativista de Luta Contra Aids Idealizador, fundador e CEO Diretor Presidente Instituto Acthivist

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