Quando morre um jornalista, morre um monte de histórias junto

Imagem: Reprodução/ Band

O personagem da semana é Ricardo Boechat, que foi se embora com a pressa de quem não podia perder tempo nunca

Foi bem na hora do almoço de segunda que me veio a notícia da morte de um dos maiores expoentes do jornalismo dessa geração. Como diria Belchior, “no fundo de um prato, comida e tristeza” quando soube que Boechat tinha morrido. Fosse pelo menos doença, a gente se conformava mais fácil, mas queda de helicóptero não dá pra engolir. Helicóptero não anda caindo, gente! E quando cai a gente nunca sabe bem quem tava dentro.

Oh, Boechat, você ainda era ainda era tão moço pra tanta tristeza, mas aí chegou a morte ou coisa aparecida e te arrastou, moço, pra tão longe.

Quando um morre um jornalista, morre um monte de histórias junto. Morre um bilhão de pautas cumpridas, centenas a serem feitas, morre um canto na redação, uma cadeira na bancada do noticiário, fica um vazio em frente ao microfone da rádio, morre uma coluna, morre a segunda-feira.

Minha mãe sempre diz que quando chega o dia de morrer, não tem jeito. Tô começando a achar que ela tem razão, viu? O helicóptero que o Boechat tava pousou e já tava tudo bem até um caminhão encerrar um monte de histórias ao mesmo tempo. Não era pra você morrer, Ricardo, nem tinha porquê. Ninguém morre de helicóptero, cara. Tem mais gente morrendo por falta de liberdade e por tristeza do que de helicóptero caindo, sabia? O Boechat, o carrancudo mais feliz do mundo, inventou um jeito de jornalismo que não entregava os pontos para o que era triste.

Quando morre um jornalista, morrem várias histórias juntas. A rola desejada ao Malafaia, a defesa incansável pelos direitos humanos, a crítica ácida a todos os lados da política, a lucidez na briga por mais liberdade de imprensa e por democracia… Quando o Boechat se foi, levou com ele histórias que a gente sempre vai ter orgulho em contar.

Curiosamente, Boechat morreu no dia em que Nelson Mandela foi libertado. Em 11 de fevereiro de 1990, Mandela deixou a prisão após 28 anos de cárcere. Duas histórias, dois sonhos de liberdade e luta contra injustiças. Ricardo e Nelson agora estão na mesma prateleira de homens que deixaram a existência para a imortalidade de histórias que precisam ser recontadas sempre.

Na hora do almoço, Boechat, fiquei triste porque você se foi. Mas imagino, como diria Belchior também, que você deve ter ido embora sorrindo, sem ligar para nada, leve, sem arrependimentos e com a certeza de um grande legado deixado. Imagino que você tenha lamentado não ter se despedido de ninguém, mas gosto de pensar que você tenha encarado tudo como a grande aventura que estava por vir.

Acho que estou errado, Ricardo… Morre o jornalista, nasce a lenda e as histórias continuam bem vivas.

Receba as notícias do Portal Canaã

Siga nosso perfil no Google News

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *