Diário da Nath

Aos 10;

Meu querido diário, eu me chamo Nathália, mas só Nath tá legal. E vou a partir de agora escrever as coisas que eu acho legal aqui. Falar dos desenhos, das cores favoritas, dos meus medos… E também segredos. Claro, depois de compartilhar com a mamãe, pretendo contar todos para você. Suas páginas serão a minha eterna confissão.

Aos 14;

Querido diário, lá se vão quatro anos e a gente esqueceu de trocar confissões. Pretendo fazer jus ao seu nome e te escrever com muito mais frequência. A gente tem um mundo cheio de blogs e eu poderia escrever as minhas maiores confissões por lá, mas é que aqui é tudo tão secreto, é tudo tão mais eu e você. É o meu refúgio, além do que, a ideia da caneta riscando o papel me é bastante agradável. Querido diário, o interior do Pará é foda! É quente e claustrofóbico. Os meninos são idiotas. As meninas são metidas. Ninguém gosta das músicas que eu gosto. Não sei dançar (e nem quero aprender). As festas são chatas, maçantes. Eu não me encaixo em lugar nenhum. E agora?

Aos 15;

Diário! Quanto tempo! Por que a gente não é mais constante um com o outro? Preciso dizer que estou apaixonada! E é tão lindo. O menino tem olhos de hipnose. Me enfeitiça. Não sei se é legal vir aqui e já revelar o nome dele assim tão fácil, pois você não tem chave, de modo que te ler é muito fácil. Ah, vou falar! O nome dele é João. Mas ele nem sabe que eu existo. O que devo fazer? Chegar e falar? Não! Não! Mil vezes não! Não tenho coragem. Eu o amo, diário! E esse amor é uma angústia! Mas o que eu posso te falar é que eu também sou amada! Não pelo João (que pena!), mas por um rapaz mais velho, de outra turma, fala compulsiva, divertido até, que insiste tanto que a gente poderia dar certo, mas eu sei que não dá. Eu amo outro. Consegue entender? Bom, ele entende, eu acho. Ele se diz cantor e me escreve cartas; conversamos horas pelo MSN e trocamos depoimentos no Orkut, mas é só amizade. Ele já até me roubou um beijo e até demos as mãos dias atrás, mas não há amor em mim por ele. Não do jeito que o amor deveria ser. O amor deveria ser pra mim, como é pelo João. Ah, aí sim! Assim faria todo o sentido.

Aos 18;

Oi! Não vou mais comentar dos dias que a gente passa sem se comunicar. Já virou muito clichê. O que posso lhe dizer é que voltei pra Belém. E que paz é essa! Como é bom estar em casa. Cara, minha vida é uma confusão! É um saco estudar! Estudar pra passar no vestibular, daí estudar mais ainda na universidade e depois trabalhar. Eu devia ter nascido estrela! Seria mais fácil de encarar a vida. Nada de tanto estudo. Nada disso! Eu seria mais feliz. E bem mais importante. Fiz 18 e nada mudou! Meus pais ainda tomam conta da minha vida. De tudo. A paz e a liberdade que eu pensei que teria foi pura ilusão. E agora?

Aos 26;

Caralho! Está criando poeira aqui!! É impossível não sentir nostalgia por estas linhas tortas da minha escrita apressada. Meu, o que posso te contar aqui? São tantas novidades. Tanta coisa boa acontecendo! A vida correndo! Esses 20 e poucos anos são incríveis! Já viajei tanto! Fui à Europa e, infelizmente, voltei. Eu devia ser de lá mesmo! Agora eu estudo pra ser publicitária e serei uma das melhores. Vou criar um novo estilo para a propaganda no Brasil e no mundo. Vou aproveitar esse meu amor incondicional pelo que é vintage e cool e fazer da propaganda algo que o mundo nunca viu. Ainda não sei bem como. Mas os meus sonhos são maiores do que a minha vida e eu compro qualquer briga por eles. Agora eu vivo os blocos e os meus carnavais são feitos do ano inteiro. Carnavais de rock e música alternativa, mas ainda são carnavais. E como não amar os blocos que eu escolhi pra sair? Meus festivais! Minhas maratonas de shows por aí. Quanta felicidade! E o melhor de tudo é o que ainda está por vir. Namorei um babaca que terminou comigo me deixando na rua sozinha, à noite. É, pra você ver, né? Tanta coisa boa acontecendo e um idiota faz isso comigo. Não sou lá muito fácil, mas precisava de toda essa violência?

PS.: Conheci o Queens of the Stone Age, tirei selfies com o Josh e não estou sabendo lidar ainda com tanta informação. Só pra você saber.

Aos 30.

Oi. Te ver aqui, ainda existente, é uma vitória! Quantas mudanças. Estou noiva. Tenho uma carreira linda. Mudei a história da propaganda e sou feliz como nunca. Vou escrever com mais frequência, eu prometo!

Aos 40.

Diário, no meio de uma faxina, a minha filha te encontrou! E que felicidade rever essas linhas. Casei. Tenho uma filha. E uma boa vida. Mas ando triste ultimamente. Tenho um nódulo suspeito no seio esquerdo e estou com muito medo. Também ando desconfiada do meu marido. Ele anda estranho. Não parece me amar mais. O que eu devo fazer? Sou independente, é claro. Sou a dona da minha vida e já realizei todos os meus sonhos, mas eu não vivo sem ele. E como cuidar de uma criança sem o pai. Como eu vou superar uma separação? Estou às lágrimas porque o caso é tão sério, mas tão sério, que eu, Nath, me sinto uma adolescente outra vez… Sem saber bem o que fazer. Ah…

Aos 65.

Querido diário. As suas páginas estão amareladas e, eu que sempre vou amar tudo o que é vintage, te amo tanto, meu querido diário E as minhas primeiras memórias já até desaparecem nessas páginas. Sinto saudade de lá do começo. De lá do início da linha. Ah! Preciso lhe acalmar: não tinha nódulo nenhum no seio esquerdo! Era só algo psicológico. O médico explicou que isso acontece, às vezes. Sou avó agora. E é tudo tão mágico. Meu marido me ama como sempre. Tivemos problemas em toda a nossa vida, como todos, mas a gente superou tudo com amor. A gente se encontrou e é pra vida toda. Quanto tempo passamos afastados, diário querido… Eu deveria ter sido mais correta com você e ter lhe deixado a par de tudo, mas não foi isso o que aconteceu. Por favor, me perdoa! A última vez em que nos falamos, eu era uma mulher que não tinha mais sonhos, e estava repleta de preocupações pelo que ainda havia de vir. Hoje eu estou em paz. Mas cheia de sonhos. Não vejo a hora de ir com os meus netos ao Rock in Rio. Esse ano será o melhor de todos, tenho certeza. Voltei a ir à praia, andar descalça na areia. Quero escrever um livro sobre minha vida! Acho que você será de grande valia para tal feito, não é diário? Bom… Hoje, com tudo o que eu penso, com todo o amor que há em mim e toda a sabedoria que me sobra, eu gostaria de dizer àquela menina de 14 anos, que desembarcava no calor do interior do Pará, que tudo ia ficar bem. Que ela logo voltaria para Belém e teria dias incríveis. Àquela menina de 15, eu diria que o João era um idiota que perdeu a pessoa mais incrível que já passou pela vida dele: eu mesma! Se eu pudesse furar a trama do espaço-tempo e voltar ao passado, eu diria àquela menina de 18 que os pais fazem falta e que aquele cuidado tinha que ser aproveitado, pois quando acabasse, ela sentiria falta. Para a menina de 23, eu diria que ela estava certa! A vida era pra ser aproveitada mesmo, mas que aquilo também ia passar. E que ela conheceria gente ainda mais importante do que o Josh, do que o Troy, do que o Dean… A sua filha e os seus netos, por exemplo… Para a mulher de 30, eu diria que ela estava indo muito bem, mas pediria que ela se alimentasse melhor, pois estou pagando um pequeno preço hoje. Quanto àquela mulher de 40, eu daria uns tapas no seu rosto, sacudiria os seus ombros e ergueria a sua cabeça. A vida é tudo o que não se pode ter medo. Há de se seguir em frente e que ela deveria aguentar firme todos os problemas. Eles passariam um dia. E para a jovem de 60… Ah… Eu deixo as páginas do resto da vida. A mulher de 60 sabe que a vida é o hoje, mas que o amanhã ainda tem tanto, tanto.  E a vida é o tempo que a gente não pode perder. E, eu, mulher linda e dona de mim vou tratar de viver, viajar e ser muito, muito feliz.

Por.

10389412_659145727518374_324660232824570462_nKleysykennyson Carneiro – Escritor, poeta, militante da esquerda, progressista, entusiasta do amor e da paz, pai da Maria e do Raul.

 

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