“Ainda haverá de vir um tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia”

Gosto dos ipês de forma especial.

Questão de afinidade e emoção tenho boas lembranças do meu passado.

Alegram-se em fazer as coisas ao contrário.

As outras árvores fazem o que é normal – abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está para chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio.

Conheci os ipês na minha infância, em Minas, os pastos queimados pela geada, a poeira subindo das estradas de terra secas e, no meio dos campos, os ipês solitários e exuberantes, colorindo o inverno pragmático de alegria. O tempo era diferente, o equilíbrio era maior, majestoso moroso como as vacas que voltam em fim de tarde.
As coisas andavam ao ritmo da própria vida, nos seus giros naturais o respeito a pessoas era maior.
Um pai de família tinha dignidade.

Mas agora, de repente, esta árvore de outros espaços irrompe no meio do asfalto em plena causada, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de parar ante esta aparição do outro mundo longo aqui na minha frente no centro da cidade de Parauapebas.
Como aconteceu no passado com Moisés, que pastoreava os rebanhos do sogro, e viu um arbusto pegando fogo, sem se consumir.

Ao se aproximar para ver melhor, ouviu uma voz que dizia: “Tira as sandálias dos teus pés, pois a terra em que pisas é santa”.

Acho que não foi sarça ardente. Deve ter sido um ipê florido.

De fato, algo arde, sem queimar, não na árvore, mas na alma. E concluo que o escritor sagrado estava certo.
Também eu acho sacrilégio chegar perto e pisar a milhares de flores caídas, tão lindas, agonizantes, tendo já cumprido sua vocação de amor.

Mas sei que o espaço urbano pensa diferente aqui existe guerra de interesse. O que é milagre para alguns é canseira para a vassoura de outros ainda bem.
Mas, pelo menos mantem os empregos e é Melhor o cimento limpo que o desemprego que ronda a cidade sem oportunidades.
São pais de família perambulando pela cidade medicando emprego, fazendo bicos, para ter o que levar para o sustento dos seus filhos.

Lembro-me de um pé de ipê, indefeso, com sua casca cortada a toda volta.
Meses depois, estava morto, seco. Mas não importa.

O ritual de amor no inverno espalhará sementes pela terra e a vida triunfará sobre a morte, o verde arrebentará o asfalto e o desemprego e a dignidade do trabalho do homem de bem voltará. A despeito de toda a nossa loucura, os ipês continuam fiéis à sua vocação de beleza, e nos esperarão tranquilos nos próximos anos para admira – lós desejando que a esperança do trabalho se renova.

Ainda haverá de vir um tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia.
Deus no comando.

WJN

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