Bolsonaro, Ciro e Marina são perigosos para a economia?

Artigo de, Sérgio Praça, Professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais do CPDOC, da FGV-RJ, e do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV-SP e Blogueiro da Exame.

Os investidores têm mais medo de Ciro Gomes do que de Jair Bolsonaro; difícil saber se Marina Silva causaria ainda mais temor.

Ciro Gomes (PDT) é mais temido pelo mercado financeiro do que Jair Bolsonaro (PSL). A maioria (57%) dos 188 investidores ouvidos pela XP Investimentos acha que a bolsa não cairá caso Bolsonaro seja eleito presidente em outubro. Pensam, também, que o candidato só tem menos chances de vencer do que Geraldo Alckmin (PSDB). 40% acreditam que a bolsa subirá se o candidato do PSL se tornar presidente. Em novembro do ano passado, eram 27%. A animação não se repete com Ciro Gomes (PDT). Caso ele vença, 95% dos agentes pesquisados acreditam que o Ibovespa cairia para abaixo de 75 mil pontos. Hoje está com cerca de 84 mil pontos.

Lendo essa pesquisa ao lado da última enquete do Datafolha sobre as eleições presidenciais, vê-se que o mercado financeiro (conforme auscultado pela XP) está muito mais otimista do que deveria. Sem Lula no cenário (e o petista só será candidato se o STF e TSE se desmoralizarem completamente), Bolsonaro lidera com 17%, contra 15% de Marina Silva (Rede) e 10% de Joaquim Barbosa (PSB). Ganha um chicabon original de Nelson Rodrigues quem souber o que o ex-juiz do STF pensa sobre economia. Ganha um slogan de maquininha de cartão de crédito quem adivinhar a posição de Marina sobre, por exemplo, a regra de ouro. Para completar a rodada de prêmios, recebe um chapéu de ingênuo quem acredita que o economista Paulo Guedes tornará Bolsonaro liberal (calma, deputado, não é nos costumes!).

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no domingo passado, Guedes afirmou que, em 2019, “a governabilidade virá em novos eixos, pois a velha política está morrendo em praça pública”. Criticou “políticos inebriados” e “economistas inexperientes” por não terem alterado o regime fiscal e a estrutura do Estado brasileiro nas últimas três décadas. Ousou detalhar que o governo Bolsonaro teria “dez ou doze” ministérios e o acordo com partidos da coalizão seria em torno de um programa econômico liberal. “Quem não quiser, está fora.” Criticou também o uso de empresas estatais para agradar partidos políticos. Citou uma “cláusula de fidelidade programática” que forçaria a fidelidade dos deputados à orientação do líder partidário. Privatizações e reforma da Previdência seriam os alicerces do programa liberal. Disse, ainda, que “programas sociais de transferência de renda são inteiramente louváveis”. Ou seja, o Bolsa Família continuaria como está.

As propostas de Guedes estão mais para o Partido Novo do que para Jair Bolsonaro. O ex-militar já criticou duramente o Bolsa Família – que, sem exagero, é a política social mais bem-sucedida da história do país. Mas também já disse, este ano, que é favorável à privatização da Petrobras e só não toparia privatizar o que é “estratégico”. Então o mercado financeiro parece ter um pouco de base para justificar seu otimismo com o candidato. No entanto, Guedes ainda não é parte do time formal de Bolsonaro e sua arrogância indica que não seria tão simples formar uma equipe econômica de alto nível como a de Michel Temer (MDB). Além disso, parece muito pouco crível aprovar a reforma da Previdência em 2019 sem um “toma-lá-dá-cá” dos mais explícitos. Os cargos de confiança continuarão sendo uma das principais maneiras de convencer parlamentares. O Brasil programático com que Guedes sonha precisaria de algumas décadas para se realizar (e mesmo assim sou muito cético com relação a essa possibilidade).

Esqueci de mencionar que Guedes diz ter convencido Bolsonaro sobre a independência do Banco Central. O projeto está parado no Congresso Nacional e dificilmente será aprovado até o fim do ano. Alckmin diz, reiteradamente, que quer manter Ilan Goldfajn na presidência da instituição. Promessa crível, mas formalizar a autonomia seria um tanto melhor.

Quem acha isso muito importante deve se preocupar com Marina Silva. Ela apresentou dois programas de governo após a morte de Eduardo Campos (PSB), que encabeçava a chapa, em 13 de agosto de 2014. No primeiro, nove dias após a tragédia, a candidata não cita o Banco Central. O único tipo de banco que cita são “bancos solidários” que constariam de um “Sistema Nacional de Economia Solidária (…) (com) bases sustentáveis (para) fomentar empreendimentos solidários, tais como cooperativas, associações, empresas autogestionárias, bancos solidários, feiras e lojas de economia solidária, clubes de trocas e programas de incentivo ao consumo responsável, incubadoras de empreendimentos solidários e tecnologias sociais”.

Em 29 de agosto de 2014, sete dias após propor esse sistema de economia solidária, a Marina liberal entrou em ação. Não mencionou banco solidário algum. Deve ter compreendido o papel social de bancos egoístas. E foi além. Empolgou-se com a promessa de “assegurar a independência do Banco Central o mais rapidamente possível, de forma institucional, para que ele possa praticar a política monetária necessária ao controle da inflação. Como em todos os países que adotam o regime de metas, haverá regras definidas, acordadas em lei, estabelecendo mandato fixo para o presidente, normas para sua nomeação e a de diretores, regras de destituição de membros da diretoria, dentre outras deliberações”.

Cerca de três semanas atrás, em um evento ao lado de seu time econômico – André Lara Resende, Eduardo Giannetti, Ricardo Paes de Barros e Samir Cury –, Marina disse: “O programa de 2014 foi um programa mediado em uma coligação. Eu e o Eduardo Giannetti defendíamos que a independência do Banco Central não fosse institucionalizada”. Fico curioso para conhecer os poderosos argumentos do PPS, PPL, PRP e PSL – os partidos da coligação – a favor da autonomia do Banco Central. Foram suficientemente persuasivos para levar a então candidata para uma posição mais liberal. Quem sabe o sonho programático de Paulo Guedes já não tenha sido realizado em 2014?! Brincadeiras à parte, mesmo Eduardo Giannetti está desencantado com a candidata que vai e vem em suas propostas.

Marina Silva não está na pesquisa da XP Investimentos. Difícil dizer se ela causaria mais medo nos investidores do que Ciro Gomes (PDT). O candidato é desenvolto para falar sobre economia. Seus principais interlocutores sobre o tema são Mauro Benevides (secretário da Fazenda do Ceará, trabalhou muitos anos com o ex-governador), Roberto Mangabeira Unger (apresentado por Ciro como “professor de Barack Obama em Harvard”) e Nelson Marconi, economista da FGV-SP que segue a linha Bresser-desenvolvimentista. Em evento realizado no ano passado no Rio de Janeiro por um grande banco, um parlamentar que o conhece bem disse que Ciro Gomes seria seu próprio ministro da Fazenda. Não acho que o pedetista deixaria de ouvir seus experts. A presença de Benevides é crucial para o equilíbrio das contas públicas. (“Não tenho um dia de déficit em minha vida pública”, disse Ciro outro dia em um evento com representantes do Partido Novo e o petista José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça.)

Talvez o que preocupe os investidores seja o novo-desenvolvimentismo de Marconi. No livro “Macroeconomia Desenvolvimentista: teoria e política econômica do novo desenvolvimentismo” (publicado por ele ano passado em co-autoria com Bresser e José Luis Oreiro), os autores escrevem o seguinte: “A coalizão de classes que apoia uma taxa de câmbio competitiva pode ser formada na medida em que os trabalhadores se deem conta de que a sobrevalorização da taxa de câmbio real é insustentável a longo prazo, de tal forma que uma queda do salário real em algum momento no futuro será inevitável, e na medida em que percebam que um ajuste cambial permitiria à economia crescer a uma taxa maior, levando assim a um maior aumento da produtividade do trabalho e, portanto, dos salários reais. Assim, os trabalhadores precisam escolher entre, de um lado, um salário real maior no presente e, consequentemente, uma menor taxa de crescimento do salário real no futuro; e, de outro, um salário real menor no presente em troca de uma taxa maior de crescimento dos salários ao longo do tempo”.

Traduzindo: a taxa de câmbio competitiva, pilar da proposta novo-desenvolvimentista, teria apoio popular desde que as pessoas imaginassem que a redução salarial de hoje seria compensada por um aumento do salário, em termos reais, após a economia começar a crescer bastante. Seres humanos racionais teriam que trocar um valor X garantido hoje pela possibilidade incerta de receber X + 1 sabe-se lá quando. Não é preciso ser doutor em economia comportamental para saber que essa “coalizão de classe” precisaria de mais fé na palavra de Ciro Gomes do que há em todo o PRB. Mas crença em político não está em alta.

Extraído do Blog do Sérgio Praça no Portal Exame.

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