Espeleologia e Cavernas, da formação a importância arqueológica

O mundo subterrâneo ainda é um mistério a ser desvendado pela comunidade científica. Através das cavernas é possível encontrar meios de vida ainda inexistentes em outros ambientes, bem como informações sobre mudanças climáticas, alterações de relevo, história de populações primitivas, diversos objetos históricos e até mesmo pré-históricos que ainda hoje são encontrados no interior das cavernas, entre outros.

A história da humanidade não pode ser escrita sem que haja menção as cavernas. A relação entre o homem e o ambiente cavernícola é tão antiga quanto a sua própria história e representa uma relação intrínseca na evolução de conceitos que definem o homem como ser que se organiza em sociedades (LINO, 2001).

Tornaram-se objetos de estudo somente a partir da segunda metade do século XIX, sendo Édouard-Alfred Martel, intitulado “pai da espeleologia”, o responsável pelos primeiros trabalhos através dos quais deu a essa nova ciência o esboço teórico necessário.

A partir de então, a espeleologia (do grego “spelaion”) surge como uma ciência que estuda as cavernas, integrando os vários campos do conhecimento, tais como arqueologia, biologia, geografia, geologia, hidrologia, química e paleontologia, associada à exploração técnica e esportiva desses ambientes.

No Brasil, a primeira referência sobre cavernas brasileiras foi feita pelo Padre Francisco Soledade, em 1717, comentando a visitação religiosa à Lapa do Bom Jesus (BA-046) na Bahia, que já deveria estar ocorrendo desde 1690. Outro fato importante foi a presença de naturalistas estrangeiros, tais como: Lund, Krone, Eschwege, Spix e Martius, Saint-Hilaire, Hartt, Branner, entre outros, na descrição e cadastro de cavidades naturais encontradas no Brasil.

As inúmeras paisagens com presença de elementos cársticos e rochas propícias para o desenvolvimento de cavidades naturais, como o calcário, quartzito e arenito conferem ao país um grande potencial espeleológico, porém esse patrimônio pode estar ameaçado, principalmente pela falta de informação a população acerca da importância das cavernas.

De acordo com a União Internacional de Espeleologia – UIS, caverna é uma abertura natural formada em rocha abaixo da superfície do terreno, larga o suficiente para a entrada do homem. As cavernas podem ser classificadas de acordo com suas dimensões físicas em: grutas, abrigos sob rocha, tocas, abismos, fossos e dolinas. Essa classificação é utilizada para fins de cadastro espeleológico (LINO, 2001).

Classificação das cavernas quanto as suas dimensões físicas. Fonte: Lino (2001).

As cavernas tendem a ocorrer, principalmente, nos denominados terrenos cársticos ou paisagens cársticas, que são áreas onde a litologia predominante compreende rochas solúveis. Mas em outras áreas, que não as cársticas, também podem ocorrer cavernas. A palavra karst, que foi aportuguesada para carste, é a forma germânica da palavra servo-croata kras, cujo significado original é terreno rochoso, desnudo, característica de uma região situada no nordeste da Itália e no noroeste da Eslovênia. Tal região é considerada entre os especialistas como o carste clássico, já que foi ali a primeira vez que esse tipo de relevo foi descrito e estudado.

O termo Paisagem Cárstica está associado a dissolução de rocha através do tempo geológico. Também apresenta um conjunto de formas típicas, tais como dolinas (depressões fechadas), lapiás (sucos, ranhuras e canais de dissolução na rocha) e sumidouros (onde a drenagem superficial adentra para o meio subterrâneo através de condutos). Por último, predomina uma drenagem subterrânea, efetuada através de um sistema de condutos ou fendas alargadas na rocha, ou seja, através de galerias subterrâneas, que não são visíveis na superfície.

Fonte: geocaching.com

Paisagens que apresentam feições semelhantes às cársticas, tais como cavernas, dolinas e escarpas rochosas, não formadas em típicas rochas solúveis (Maurity & Kotschoubey, 1995), são denominadas de Pseudocarstes. Ex.: Serra dos Carajás.

No Brasil, graças a fatores como geomorfologia e clima, as cavidades são comumentes encontradas em rochas carbonáticas, arenitos e jaspilito/itabirito, ocorrendo também, mesmo que em menor escala, em granito, gnaisse, rochas metamórficas variadas como micaxistos e filitos, além de cobertura de solos.

Como se formam 

As cavernas são um bem da União de interesse público e sujeitas a um forte regramento que decorre da preservação do seu uso, tais espaços compõem ecossistemas complexos, formados por rochas que, ao longo de milhares de anos, foram dissolvidas pela água naturalmente acidulada. Estes ambientes são caracterizados pela circulação de água em superfície e em subsuperfície, e contam com a presença de depressões fechadas (dolinas, lagoas etc.), drenagens subterrâneas, fauna e flora específicas.

Convém destacar que todas as rochas são solúveis, entretanto, suas escalas de dissolução são muito variáveis e envolvem processos complexos que exigem cuidadosos estudos. Dentre as rochas solúveis encontram-se, em ordem aproximada de maior solubilidade: calcário, dolomito, mármore, arenito, quartzito, granito, formação ferrífera, entre outras (Cavalcanti et al., 2012; Travassos, 2011).

Segundo Jansen, Cavalcanti e Lamblém (2012) dados recentes mostram que no Brasil, 78,4% das cavidades são formadas em rochas carbonáticas (calcário, dolomito, mármore, etc.) e encontram-se em áreas com grau de potencialidade de ocorrência de cavernas muito alto e alto, confirmando que grande parte das 16 mil cavernas brasileiras cadastradas até 2017 no banco de dados do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas, CECAV, desenvolvem-se basicamente em rochas carbonáticas e em formações ferríferas.

Em contrapartida, 12,8% das cavidades naturais estão localizadas em áreas com grau de potencialidade médio, em especial os arenitos e quartzitos que possuem vários registros de ocorrência em todo o território brasileiro. As demais classes do grau de potencialidade de ocorrência de cavernas somam apenas 8,7% (JANSEN; CAVALCANTI; LAMBLÉM, 2012).

Grau de potencialidade de ocorrência de cavernas no Brasil de acordo com a litologia. (JANSEN, CAVALCANTI e LAMBL´ME, 2012).

 

Distribuição das cavidades naturais subterrâneas no Brasil por grau de potencialidade de ocorrência. Fonte: Jansen, Cavalcanti e Lamblém (2012).

Formação de cavidades em arenitos

Prospecção espeleológica realizada pela fundação Casa da Cultura de Marabá, núcleo de Espeleologia, em São Geraldo do Araguaia. Cavidades em quartzitos. Fonte: autora.

Arenito é uma rocha sedimentar formada a partir de processos de compactação e litificação de um material granular com dimensão de areias. É composto normalmente por quartzo, mas pode ter quantidades apreciáveis de feldspatos, micas e/ou demais impurezas. A dissolução do quartzo em água é essencialmente um processo de hidratação, originando o ácido sílico, representado pela equação: SiO₂ + 2H₂O = H4SiO4.

Quartzitos são basicamente arenitos que sofreram metamorfismo, ou seja, foram expostos a condições mais elevadas de pressão e temperatura. Os processos espeleogenéticos, que geram cavernas, atuam de forma similar em arenitos e quartzitos, ocasionando dissolução (muito lenta) de sílica. Vale ressaltar que o intemperismo físico é o principal agente no processo de remoção dos grãos de quartzo.

Esquema para explicar o processo de dissolução do cimento de arenitos por ação de águas meteóricas, conduzindo a rocha à fragilidade mecânica e favorecendo a ação de erosão por fluxo hidráulico (piping). Esse caminho dá início à formação da caverna em condições freáticas.

Formação de cavidades em carbonatos

Inicialmente há degradação da matéria orgânica existente nas camadas superiores do solo, com a consequente formação de gás carbônico, CO2(g). A solubilidade do gás carbônico em água é decorrente da sua pressão parcial, ou seja, com o aumento desta pressão, devido à decomposição da matéria orgânica, há um aumento na concentração do CO2 dissolvido na água (CO2(aq)). O CO2(aq) reage com as moléculas da água dando origem ao ácido carbônico. Essa reação é típica dos anidridos (anidrido + água = ácido).

Como todo ácido fraco, o ácido carbônico se dissocia, parcialmente, produzindo o ânion correspondente (bicarbonato) e o íon hidronium (hidrogênio ácido). Esse hidrogênio ácido promove, então, a dissolução do carbonato – por exemplo, carbonato de cálcio – dando origem ao processo de formação das cavernas.

Matéria orgânica → CO2(g) + H2O (1)

CO2(g) + H2O ⇔ CO2(aq) (2)

CO2(aq) + H2O ⇔ H2CO3(aq) (3)

Embora possa parecer que as moléculas de água produzidas na reação (1) sejam as consumidas na reação (2), na realidade, as moléculas de água da segunda reação representam a água da chuva que penetra no solo, dissolve e arrasta o CO2 produzido.

Parte do dióxido de carbono na atmosfera é carregado para a superfície da terra pelas águas das chuvas. Através do processo de dissolução da rocha matriz, surgem soluções químicas que exercem importante papel na formação dos espeleotemas.

Os espaços, condutos e vazios na rocha vão sendo lentamente modelados pela ação do soluto. Fonte: Lino e Allievi (1980).

Formação de cavidades em Jaspilito

Cavernas da Serra Sul, no Complexo de Carajás (PA)

Jaspilitos são rochas sedimentares, bandadas, compostas por sílica e ferro, ocorrendo consideravelmente nos estados do Pará e Minas Gerais (Carajás e quadrilátero ferrífero).  A formação de cavidades nessas litologias ocorre com a dissolução primeiramente de chert, quartzo granular e por fim jaspe. A formação e evolução das cavernas estão associadas a processos supergênicos (enriquecimento) e controles variados (litológico, estrutural, hidrogeológico, estratigráfico) que atuaram de forma integrada, mas com intensidades distintas. Concomitante à formação das cavernas houve a geração do minério de ferro explorados nesse tipo de rocha.

Amostra de Jaspilito. Fonte: autora.

Histórico no Brasil

No Brasil, com a chegada dos portugueses, muitas cavernas foram utilizadas como fonte de retirada do salitre nas áreas litorâneas, devido ao solo rico em nitrato, utilizado como matéria prima para a fabricação de pólvora. O avanço em direção ao interior do país foi, aos poucos, revelando o descobrimento de novas cavernas (AULER; ZOGBI, 2005).

Coube ao naturalista dinamarquês, Peter Lund, os primeiros trabalhos mais importantes da paleontologia e espeleologia brasileira, dedicando estudos relacionados à flora e fauna cavernícola nos arredores do Rio de Janeiro. Outro importante propulsor das atividades espeleológicas no Brasil, Ricardo Krone, obteve papel fundamental no engrandecimento da espeleologia nacional, utilizando como base para exploração e prospecção paleontológica os estudos de Peter Lund, destacando-se como iniciador desse tipo de levantamento sistemático com caráter cientifico, no final do século XIX.

A partir de então, pouquíssimo do potencial espeleológico do Brasil foi explorado. Alguns pesquisadores da área supõem que apenas 5% das cavernas existentes tenham sido identificadas.

Estimativa (ordem de grandeza) do potencial espeleológico brasileiro em relação a cavernas conhecidas e litologia.

Principais terrenos cársticos do Brasil

Fonte: webventure.com.br

A maior ocorrência de rochas favoráveis à formação de cavernas no Brasil é representada pelos calcários e dolomitos do Grupo de rochas denominado Bambuí, que se desenvolvem desde o sul de Minas Gerais até o centro-oeste da Bahia, passando também pelo leste de Goiás.

Inserida nos calcários Bambuí encontra-se, entre outras, a região de Lagoa Santa, berço da espeleologia brasileira, com mais de 700 grutas registradas; a região de Arcos e Pains, também com centenas de cavernas conhecidas, e a região do vale do Rio Peruaçu, com a magnífica Gruta do Janelão e vários sítios arqueológicos.

Gruta do Janelão, Parque Nacional do Peruaçu.

Em Rondônia, no Pará e no Amazonas ocorrem alguns afloramentos de calcário. Os mais importantes situam-se próximos a Itaituba, no Pará, onde o mapeamento tem levado à descoberta de algumas cavernas de importância.

As regiões do Parque Estadual de Ibitipoca, de Carrancas e de Luminárias, no sul de Minas Gerais, apresentam um rico acervo de cavernas quartzíticas. Outra área de importante concentração de cavernas nestas rochas é a região da Chapada Diamantina, na Bahia. Várias regiões, principalmente no nordeste e no sudeste, apresentam cavernas quartzíticas de importância.

Abismo Guy Collet no Amazonas. Fonte: webventure

No estado do Amazonas, a pouco conhecida Serra do Araçá, contém a mais profunda caverna quartzítica do Brasil e do mundo, o Abismo Guy Collet, com 670 m de desnível. Cavernas areníticas são bastante frequentes em todo o território nacional. Existem importantes concentrações na Chapada dos Guimarães (MT), em São Paulo, no Paraná e no interior do Piauí, além de muitas cavernas de grande porte dispersas em várias regiões da Amazônia.

Ocorre ainda um grande número de cavernas em rochas como minério de ferro e canga, nas regiões ao sul de Belo Horizonte (Quadrilátero Ferrífero) e na Serra dos Carajás, no Pará.   São cavernas, na sua maioria, pequenas, com média em torno dos 25 m de extensão. No entanto, já foram registradas cavernas em minério de ferro com mais de 300 m, além de importantes volumes subterrâneos, tanto em Carajás como no Quadrilátero Ferrífero.

No Brasil ainda ocorrem cavernas em granito, gnaisse e bauxita, entre outras. São em geral cavernas de pequeno porte. Uma exceção é a Gruta dos Ecos em Cocalzinho, Goiás, inserida em sua maior parte em micaxistos, e que possui 1.600 m de extensão.

Mapa de Potencialidade de Ocorrência de Cavernas no Brasil, na escala 1:2.500.000. Fonte: IBGE.

Províncias espeleológicas na Amazônia

Vários estudos espeleológicos têm sido realizados na Amazônia desde a década de 80 conduzindo a descoberta de mais de 200 cavernas, notadamente no estado do Pará (GEP,1983; PINHEIRO e SILVEIRA, 1984; SILVEIRA et al., 1984; PINHEIRO et al., 1985; MOREIRA et al., 1986; PINHEIRO e MAURITY 1988; PINHEIRO, 1988; TRAJANO e MOREIRA,1991; MAURITY et al., 1995; PINHEIRO et al.,1998; PINHEIRO et al., 1999; PINHEIRO et al., 2001; CRESCÊNCIO et al., 2011; MAURITY et al., 2011; PINHEIRO et al., 2007; BRAGA e COSTA, 2014; CABRAL et al., 2014).

No contexto espeleológico esta região chama atenção pela presença de um número considerável de cavernas em rochas de composição não carbonáticas, destacando-se em arenitos e rochas ferríferas (jaspilito/itabirito) e, principalmente, seus derivados de alteração intempérica, que é quando a rocha se fragmenta e origina sedimentos.

Vale destacar que 60% do território amazônico é constituído por rochas cristalinas (ígneas e metamórficas), pertencentes aos Escudo Brasil Central, Escudo das Guianas e metamorfismos arqueanos e proterozóicos. O restante corresponde à exposição de rochas sedimentares da Bacia Sedimentar do Amazonas-Solimões e das bacias costeiras na região litorânea (CPRM, 2014).

As províncias espeleológicas da Serra dos Carajás, Serra do Piriá e Serra dos Martírios-Andorinhas se localizam no sul Do Pará, se localizam no sul do Pará. No oeste do Pará, no domínio da bacia sedimentar do Amazonas-Solimões, ocorrem cavernas em arenitos e raras cavernas em calcário, pertencentes a Província Espeleológica Monte Alegre e Província Espeleológica Altamira Itaituba.

Mapa do estado do Pará com a localização das cinco províncias espeleológicas conhecidas. Fonte: Pinheiro, Maurity (2015).
  • Legislação / Orientações CECAV

Resolução CONAMA Nº 347, de 10/09/2004, segundo o inciso II, do art. 2º, são relevantes as cavidades naturais subterrâneas que apresentem significativos atributos ecológicos, ambientais, cênicos, científicos, culturais ou socioeconômicos, no contexto local ou regional.

O Decreto Federal Nº 6.640 de 07 de novembro de 2008 alterou significativamente o status jurídico referente a proteção das cavernas brasileiras. Esse decreto prevê a classificação das cavernas segundo quatro graus de relevância: máximo, alto, médio e baixo. A determinação das cavernas de relevância máxima, que não poderão sofrer impactos ambientais, foi realizada através de parâmetros definidos pelo referido decreto. Os demais graus de relevância foram detalhados na Instrução Normativa N. 2 do Ministério do Meio Ambiente – MMA, que foi publicada no dia 20 de agosto de 2009.

As cavernas classificadas como de relevância alta, média e baixa poderão ser objeto de impactos irreversíveis, através do processo de licenciamento ambiental, podendo ser compensados pelo empreendedor através da preservação de duas cavernas com o mesmo grau de relevância, de mesma litologia e com atributos similares à que sofreu o impacto, que serão consideradas cavidades testemunho, ou seja, de preservação permanente. As cavernas de relevância média que sofrerem impactos irreversíveis, por sua vez, merecerão por parte do empreendedor ações que contribuam para a conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro. Essas ações serão definidas pelo órgão ambiental competente. Impactos irreversíveis em cavernas classificadas como de relevância baixa não merecerão ações de compensação pelo empreendedor.

No Brasil, é possível identificar três momentos na legislação sobre cavernas. O primeiro está representado pelas primeiras resoluções CONAMA, a Portaria 887 do IBAMA e o Decreto 99.556. Trata-se do momento inicial, com perfil altamente conservador e restritivo quanto ao uso das cavernas brasileiras, que foram consideradas, de forma indiscriminada, patrimônio espeleológico brasileiro. Não há dúvida que, para um primeiro momento, esse conjunto jurídico trouxe um ganho expressivo no sentido de valorização das cavernas brasileiras, já que muitas cavernas foram preservadas individualmente ou através de conjuntos, diante da criação de unidades de conservação.

O segundo momento é composto pela Resolução CONAMA Nº 347, que juntamente com o Projeto de Lei Nº 2832/2003 e o último parecer da Advocacia Geral da União, formam um conjunto de documentos de conteúdo transicional, entre uma fase de legislação muito restritiva, para uma fase mais flexível quanto ao uso das cavernas brasileiras.

O terceiro momento é composto pelo Decreto Nº 6.640 e a Instrução Normativa Nº 2, do MMA, que através do estabelecimento de um método criterioso de análise de relevância das cavernas brasileiras, busca identificar, a partir de seus atributos, aquelas merecedoras de conservação e que formarão o Patrimônio Espeleológico Brasileiro.

Os atributos analisados são:

ANALÍTICO – Devem ser mensurados através de métodos analíticos, sejam laboratoriais ou de campo. Ex: mineralogia de espeleotemas, caracterização de sedimentos, dimensão.

DESCRITIVO – Requer abordagem descritiva, não pode ser medido. Ex: tipos de espeleotemas, atributos de valor estético. São mais subjetivos.

Tipos de valores:

VALOR CIENTÍFICO – Valor para as ciências e para o melhor conhecimento da caverna e seu entorno. Pouco subjetivo. Ex: Tipo de gênese, Mineralogia de Espeleotema.

VALOR ESTÉTICO – Beleza ou harmonia de feição ou atributo. Subjetiva. Ex: Morfologia, Tipo e Dimensão de espeleotemas.

VALOR ESPORTIVO – Importância da caverna para prática dos esportes ligados à espeleologia: rappel, mergulho, etc. Ex: Desnível (abismo), Hidrologia.

Escala de análise (respeitada a diferenciação litológica):

  • LOCAL – Comparação com cavernas da mesma região cárstica. Estratigrafia, clima, etc tendem a ser semelhantes. Amostragem tende a ser mais reduzida porém homogênea.
  • REGIONAL – Comparação com cavernas no Brasil. Fisiografia tende a ser diferente. Amostragem tende a ser mais ampla e heterogênea.
  • GLOBAL – Comparação com todas as cavernas do planeta. Amostragem ampla porém com extrema heterogeneidade.

Graus de relevância

  • ALTA – Atributo altamente significativo. Não possui equivalentes (ou possui de forma muito restrita) em outras cavernas na escala considerada.
  • MÉDIA – Atributo possui razoável significância, mas não chega a destacar a caverna em relação á amostragem considerada.
  • BAIXA – O atributo não é significativo e fica aquém do observado em outras cavernas na escala de comparação.
  • SEM RELEVÂNCIA – O atributo não ocorre na caverna analisada.
Relevância de cavernas Relevância empreendimento

 

Tendência
Alta Alta Forte tendência à construção de cenário que visa compatibilizar a conservação das cavernas e a exploração dos recursos naturais; possibilidade de degradação em exemplares de cavernas visando ajustar a viabilidade, mas com ganhos substanciais para o patrimônio espeleológico, através de medidas compensatórias
Alta Média Tendência à construção de cenário visando compatibilizar conservação das cavernas e exploração dos recursos naturais; mais restritivo na degradação em exemplares de cavernas, embora ainda com possibilidade de degradação para ajuste na viabilidade; medidas compensatórias no âmbito do patrimônio espeleológico.

 

Alta Baixa Tendência à conservação integral das cavernas e ajustes no empreendimento, visando sua viabilidade ambiental.

 

Baixa Alta Tendência à construção de um cenário altamente favorável a implantação do empreendimento; sem restrições quando a degradação de cavernas
Baixa Média Tendência à construção de cenário favorável ao empreendimento, com alguns ajustes no programa ambiental; possibilidade de degradação de cavernas.
Baixa Baixa Tendência à construção de cenário com muitos ajustes no programa ambiental; sem restrições ao impacto específico sobre as cavernas.

 

O Decreto nº 6.640/08 consiste em efetuar a classificação da cavidade natural subterrânea de acordo com seu grau de relevância, que poderá ser enquadrado em uma dessas quatro classes, i.e. máximo, alto, médio e baixo, de acordo com a análise de seus atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob o enfoque regional e local.

A relevância de uma caverna pode sofrer modificações com o aporte de novas informações. Considerando que quanto maior a amostra de cavernas considerada, mais precisa será a análise de relevância, recomenda-se que sejam implementados estudos espeleológicos no caso de regiões ou litologias pouco conhecidas.

A importância da caverna e do CARSTE

Com a revelação das cavernas brasileiras pelos viajantes, a partir do século 19, é possível chegar à clara compreensão de que muitas delas contém registros cheios de significado, além de abrirem vários caminhos para uma melhor compreensão do passado. Ou seja, essas cavernas são merecedoras de conservação. Desde o trabalho pioneiro do naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund, na primeira metade do século 19, as cavernas têm fornecido importantes registros fossilíferos, os quais têm formado a base das pesquisas sobre a paleontologia de vertebrados do Pleistoceno brasileiro.

Cavernas com depósitos fossilíferos são frequentes em diversas regiões brasileiras, dentre as quais Lagoa Santa, em Minas Gerais, São Raimundo Nonato, no Piauí, sertão e região central da Bahia, região do Ribeira, em São Paulo, dentre outras. Nesses sítios jazem ossadas de animais como preguiça-gigante, mastodonte, gliptodonte, tigre dente-de-sabre, entre outros.

Serra da Capivara, São Raimundo Nonato-Piauí. Fonte: Museu Serra da Capivara

A relação entre arqueologia e as cavernas também é evidente, tendo em vista que esse meio é favorável a preservação de vestígios arqueológicos (menor umidade, menor iluminação e temperaturas mais estáveis). São inúmeros os paredões e entradas de cavernas que registram usos diferenciados como abrigo, moradia, palco de rituais, cemitério e suporte para a arte do homem pré-histórico, destacando- se as regiões de Lagoa Santa, em Minas Gerais, São Raimundo Nonato, no Piauí, Monte Alegre e Serra dos Carajás, no Pará.

Tigre Dente de Sabre. Fonte: Editora Abril

No momento, a região de Lagoa Santa, em Minas Gerais e, São Raimundo Nonato, no Piauí, guardam os mais antigos registros dessas culturas, que datam em mais de 11 mil anos. Salienta-se, ainda, que a contemporaneidade do homem pré-histórico com os megamamíferos extintos foi aventada  nas cavernas de Lagoa Santa, inicialmente por Peter Lund, em 1844. Recentemente, fragmentos ósseos de uma preguiça-gigante (Scelidodon cuvieri) e do temido tigre dente-de-sabre (Smilodon populator), encontrados nas cavernas de Lagoa Santa, foram datados respectivamente em 9.990 e 9.130 anos, o que veio reforçar a tese da coexistência entre o homem pré-histórico e os animais pertencentes a megafauna extinta (Neves & Piló, 2003).

Luzia. Fonte: Museu Nacional

Até o momento, no entanto, não há no registro arqueológico brasileiro qualquer evidência clara de que os primeiros humanos fizeram uso, como recurso alimentar, ou como fonte de matéria prima, dos grandes mamíferos extintos. Foi também nas cavernas que se concentraram as ossadas dos mais antigos brasileiros. O esqueleto de “Luzia”, exumado no abrigo rochoso de Lapa Vermelha IV, em Lagoa Santa, encontra-se posicionado em camadas sedimentares superiores a 11.000 anos, sendo considerado o esqueleto mais antigo das Américas.

Centro Nacional de Pesquisas e Conservação de Cavernas

O CECAV foi instituído em 5 de junho de 1967, como Centro Especializado voltado ao Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas, enquadrado na categoria de Unidade Descentralizada do IBAMA. Em 2007, com a criação do Instituto Chico Mendes, por meio de Lei n° 6.100, de 26/04/2007, a maioria dos Centros Especializados do IBAMA foi incorporada à estrutura organizacional do novo Instituto, dentre eles o CECAV.

A partir da portaria n°78/2009, do Instituto Chico Mendes (ICMBio), o CECAV passou a ser denominado Centro NACIONAL DE Pesquisas e Conservação de Cavernas, vinculado à Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do Instituto. Hoje o CECAV é o principal responsável pela conservação do Patrimônio Espeleológico Nacional.

Por.

Camila Rodrigues

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