Dr. Eliezer Batista: As saudades de um grande amigo

DR. ELIEZER BATISTA, 1º PRESIDENTE DA VALE QUE SAIU DO QUADRO DE EMPREGADOS

O Projeto Carajás foi exemplo de engenharia, nacional, gestão, eficiência, comunicação e pioneirismo no conceito de sustentabilidade é o pai da palavra Desenvolvimento Sustentável: o conceito de desenvolvimento sustentável só começou a ganhar corpo, quando o empresário suíço Stephan Schmidheiny veio ao Brasil para coordenar a ECO 92 no Rio de Janeiro, e na ocasião visitou o Projeto Carajás e deparou com os aspectos econômicos, ambientais e sociais aplicados em simultaneidade. Da prática observada, Schmidheiny, partiu para a teoria e organizou o conceito de desenvolvimento sustentável, ampliando o postulado de ênfase ambiental cunhado em 1987 no Relatório Brundtland. Portanto não temos dúvidas de que o Projeto Carajás deixou a VALE mais respeitada internacionalmente tanto pela competência da engenharia nacional, quanto ao potencial de 18 bilhões ton de minério de Ferro ali contido, o cuidado ímpar e pioneiro de sustentabilidade na época. A sua implantação viabilizou logisticamente (suporte) a implantação de outros grandes projetos da VALE na região como S11D Eliezer Batista. Ele foi pessoalmente pedir financiamento para o projeto nos grandes bancos internacionais. Inspirou confiança pela competência de ter feito antes a internacionalização da VALE e Docenave.

Tive a oportunidade de conhecer o Dr.Eliezer Batista pessoalmente em 2000, depois de estar 20 nos na VALE. Muita gente acha que foi ele que me colocou na VALE. Em 2000, nem curso superior eu tinha. Isto que me levou a pedir transferência de Parauapebas em final de 1998 para o sudeste.  O amigo Chico Brito, aliás, muito amigo do Dr.Eliezer também foi um dos primeiros, a saber, de que eu havia conseguido a transferência para o sudeste, e se despediu de mim. Thiers Manzano, então diretor do Sistema Sul, foi que atendeu este pedido meu, a considerar que conhecia o meu trabalho como supervisor e gerente técnico e nas minas Carajás e Ferrovia Carajás, entendendo que a formação superior ia me ajudar e pediu a minha liberação ao Diretor do Sistema Norte, Jayme Nicolato. Com isto passei uns tempos em Nova Era na EFVM e no inicio de 1999 e reencontrei com as irmãs do Dr.Eliezer, já falecidas, e que no passado já as conhecia (inicio dos anos 70) ainda criança com o seu irmão e médico. Dr. José Batista Filho, que foi contemporâneo de meu pai na UFMG e sempre foram amigos. A partir de 2000, conheci Dr.Eliezer, e a sua esposa Sra.Jutta e já fiquei hospedado em sua casa no RJ. Dona Jutta era um exemplo de esposa, trabalho e dedicação à família e apoio social em asilos, hospitais e APAE. Sempre admirei a sua postura, mas logo depois ela veio falecer em meados de 2000. Com Dr.Eliezer conversei diversas vezes, ele me apresentou ao Dr. Erling Sven Lorentzen fundador da Aracruz Celulose e ex-dono da Supergasbrás casado com a princesa Ragnhild da Noruega, a filha mais velha do rei Olavo V e de sua esposa, a princesa Marta da Suécia. Pessoas de nobreza, mas de simplicidade incomum, a identidade nossa era a paixão por cavalos. Dr.Eliezer me pediu para representa-lo em dois eventos no ES, o que me traz um orgulho muito grande. Sempre conversamos sobre os cavalos e sobre as obras de Akio Morita, Antônio Ermírio e Henri Bergson um filosofo francês que ele acompanhava. Ele gostava de Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, mas só quando ele tinha frases de proteção aos animais domésticos, às outras não. Apreciava a música clássica a botânica, sustentabilidade, defesa das águas e ecoeficiêcia.

Viajou muitas vezes a cavalo com o pai. Sempre gostei de cavalos como ele nos tempos de criança.  Assunto que íamos longe. Ele me ajudou, opinando em todos os projetos que tenho hoje de Administração, Sustentabilidade, modelo de consultoria e outros, inclusive um desenvolvido na Mineração Taboca. Ele sempre achava um tempo para mim. A sua mãe Natividade Pereira era prima primeira de meu avô Arthur Araújo. Durante todo este tempo de amizade com o Dr.Eliezer, eu jamais ouvi dele a palavra eu fiz: sempre; “nós fizemos”. Tinha humildade e gratidão que o emocionava, ao falar colegas, empregados ferroviários humildes, que o ajudaram a crescer na companhia, junto com a equipe do Diretor Mário Carvalho. Eles dormiam ao relento na beira da ferrovia EFVM, pegaram malária, bebiam água de brejo, e também pegavam na pá para desobstruir a linha em acidentes ferroviários. Contava isto com orgulho e companheirismo. Gostava da história dos ferroviários. Era Engenheiro Ferroviário, especializado nos EUA. Foi o homem que liderou a grandeza da VALE.  Era estudioso e entendia de tudo.  Trabalhou pelo o Brasil, nunca aceitou interferência politica na VALE, viajou 178 vezes ao Japão, para construir o Porto de Tubarão da VALE, e projetar grandes navios da Docenave, empresa de navegação da VALE que tinha próximo de 60 navios e chegou a ser a 2ª empresa de navegação mercante do mundo. Levava minério e trazia petróleo. Trouxe para a VALE o CCQ (Círculos do Controle da Qualidade) apresentado por Akio Morita da Sony, um de seus grandes amigos.

Conseguiu uma bolsa de estudos para mim, o melhor curso que fiz em minha vida de Gestão, Sustentabilidade com Ênfase em Geografia Humana, onde fui colega de gente de diversas partes do mundo. Guardo algumas coisas que ele sempre me ensinou:

Em meados da década de 50, Eliezer Batista, queria comprar uma imensa área no Espírito Santo e transformá-la em reserva ecológica. Ele viu a devastação na Europa e outros países e previu isto 62 anos atrás. A devastação da Mata Atlântica.  Mas sabia que o conselho de administração da VALE na época, não aprovaria nunca, o desembolso de milhões para esse fim, mesmo tendo verba. Proteger floresta era coisa de sonhador, bobalhão e lunático.  Então, ele teve uma ideia de mestre: disse aos conselheiros que a área forneceria dormentes para ferrovias da Vale. Os nobres conselheiros deram sinal verde para o negócio. Até hoje, nunca sequer um galho foi arrancado da reserva ecológica de Linhares para dormentes. A reserva se tornou símbolo do respeito da Vale pelo meio ambiente, atraindo a simpatia de clientes compradores de minério do mundo todo. Tem uma das maiores biodiversidades. É hoje reconhecida como um dos maiores centros de pesquisas de botânica do mundo. É a maior “relíquia do que sobrou de Mata Atlântica no ES¨”. Isto graças à coragem, ideia e estratégias de Eliezer Batista. Quando houve a ideia de construir o Zoobotânico de Carajás, havia resistência de parte de certos conselheiros sem afinidades com a VALE, mas ele corajosamente assumiu que seria o espelho da força ecológica do Projeto Carajás. Estava certíssimo.

  • “Nunca aposente o cérebro”
  • “O homem vale é pelo conhecimento”
  • “Se tiver de dar exemplos de empresários nunca se esqueça de Akio Morita, Antônio Ermírio e Lorentzen. Outra pessoa formidável, para o Brasil de talento e humildade, foi o Senna, a juventude gostava dele”.
  • “A gente tem de tratar bem as pessoas mais simples, sem elas nada funciona, eles me ajudaram muito. Às vezes me entristeço ao ouvir, que muitos não sabem tratá-los e respeitá-los”.
  • “Uma mina sem mercado é cascalho, uma ferrovia sem carga é sucata”.
  • “Logo que entrei na VALE busquei galvanizar a idéia de que nem eu e nem meus colegas éramos inferiores a ninguém. Falta de conhecimento não é atestado de incompetência, mas apenas conseqüência de um conjunto de variáveis, como dificuldade de acesso e limitações de ordem financeira. Eu olhava para os engenheiros da Morrison Knudsen e acreditava que podíamos aprender tudo o que eles faziam nas obras da Vitória Minas. Dito e feito. Meu estilo de trabalho sempre foi o mais coletivo possível. Todas as grandes decisões eram debatidas em equipe – nesse quesito, tive a sorte de reunir profissionais fuoriclasse. Administrar é a arte de aceitar as diferenças. O que eu podia ter de distinção em relação a outras pessoas – talvez mais relacionamentos, acessos internacionais, contatos com idéias novas – não me dava o direito de desprezar o conhecimento do meu companheiro. Ao contrário do poeta, um solitário na dor e no ofício, engenheiro é espécie que vive em grupo. Sozinho, o homem apenas reza; acompanhado, constrói sua própria igreja.” Ele ensinava isto; ser coletivo”.
  • “Na nossa vida temos de deixar uma obra, grande ou pequena, não importa. As pessoas precisam da gente. O mais importante é ajudá-las”.
  • “O ponto crítico da construção da estrada de ferro era a transposição do Rio Tocantins – rio de regime torrencial. As cheias ampliavam o seu leito, a ponto de sua largura chegar a um quilômetro. À época, muitos duvidavam que seria possível transpor o rio naquela região. Diversos procedimentos adotados por Pitella e sua equipe – formada, entre outros grandes engenheiros, por profissionais como Renato Moretzohn e Fabio Lage, venceram esse obstáculo. Construímos uma ponte rodoferroviária de 2,3 mil metros.”
  • “O desenvolvimento de um povo se mede pela sua preocupação ecológica”
  • “A VALE é uma empresa de logística, porque minério de ferro é barato. O alto volume minerado e produzido é que combina logisticamente entre as operações unidas da mineração-ferrovia-porto-navegação. Isto forma um processo sistêmico de logística eficiente operado por gente competente que garante competitividade e viabilidade do negócio. VALE é uma empresa de logística, funciona sob uma concepção toda sistêmica. Diga isto sempre para os seus amigos”.
  • “Paixão pela natureza é uma história muito antiga. Herdei isso do meu pai, que gostava muito de programas da natureza, tinha fazendas e eu viajava com ele. Aquilo sempre vinha me perseguindo.”
  • “O conhecimento científico precisa ser difundido. A gente tentou muito difundir problema muito sério com relação à educação. O problema principal da educação é você mudar a cabeça das pessoas. Por exemplo, em Harvard, no MIT (Massachusetts Institut of Technology), há uma cadeira que eles chamam de ‘mind set’, quer dizer, a cabeça da pessoa. Você muda essa cabeça desde criança, porque o raciocínio do homem moderno não é mais o raciocínio do homem isso como conhecimento, mas a floresta, aqui entre nós, ainda tem uma coisa da cultura ibérica. Alguém disse, na cultura espanhola, que em uma certa época era possível ir dos Pirineus até Gibraltar, se fosse um macaco, de galho em galho. Hoje, um terço da Espanha é praticamente deserto, com um processo célere de desertificação.”
  • “Na minha época as multinacionais traziam muitos diretores europeus e americanos para o Brasil, que ajudavam a educar e treinar o nosso povo, melhorava a nossa cultura. Eu aprendi a trabalhar com os americanos nos EUA, e na EFVM. Antes as crianças filhas dos diretores, brincavam com as crianças filhas dos operários. Isto era fantástico! As crianças se entendiam, e se comunicavam, sem diferenças de cor, nível social e hierarquia. Ia aos aniversários uma das outras, beber guaraná caçula. Tínhamos realmente uma comunicação mais humana. Isto não tem mais. Estamos mais artificiais e eletrônicos. As esposas dos diretores ficavam amigas das esposas dos operários. Uma mandava bolo que confeitavam para outra. Coisas simples, mas que criavam um campo afetivo, que tanto precisamos hoje. Moravam em Vilas das próprias empresas, todos perto um do outro. As esposas dos diretores estrangeiros praticavam trabalhos voluntários em asilos, igrejas, escolas carentes, maternidades, hospitais e creches. Doavam roupas, sapatos, vestidos, paletós, que não usavam mais para eles. As pessoas que me refiro, viviam mais fraternalmente. Jutta era europeia e fazia isto, como um tipo de missão, um orgulho de todo tamanho. Os europeus passaram por guerras e são solidários. Eles entendem o que é um sofrimento. Nós brasileiros, nunca tivemos felizmente guerras, que eles tiveram. Depois, ele me disse: “os diretores de empresas multinacionais, em maioria não querem mais morar no Brasil por falta de segurança”. Eles não gostam de andar em carros blindados e tensos com medo de sequestro”.

“A minha esposa Jutta perdeu entes queridos, e todos os bens materiais na guerra na Alemanha, passaram por tristezas”. Fundamos então o Instituto Jutta Batista, aqui no ES, com nome dela, por ser uma causa direta dela, de ajudar as pessoas. Sentiu na carne o que é um sofrimento deste, que é muito triste! Mas ela soube transformar tudo isto em energia e amor ao próximo, para ajudar as pessoas. Eu me orgulho disso. Ela foi uma grande mulher. “O Instituto Jutta Batista apoia asilos, escolas de crianças pobres, hospitais, creches, APAES, são 23 associações, funcionando desde 1983, e está presente em 11 municípios e tem perto de 43 mil beneficiados”. Um trabalho social extraordinário, que tem oficina de bordados e outras atividades de ensino e cursos que ajudam em renda familiar das mães. Uma iniciativa ou missão brilhante, que faz jus ao nome.

Sou eu que agradeço, descanse em paz, um forte e grande abraço, Fique com Deus. Rowan – 18/06/2018

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