Para além da “Baleia Azul”

O público que acompanha esta coluna poderá estranhar a proposta deste texto. Ele converge completamente para fora da seara política, a pauta principal deste espaço. Resolvi escrever sobre o tema que deu origem ao título desta publicação não como um conhecedor de causa ou especialista sobre o assunto. Pelo contrário, deixo o debate mais aprofundado aos que dominam a temática e estudam – de fato – o comportamento humano. Meu objetivo é apresentar a questão (por ser professor e lidar diariamente com adolescentes com a faixa etária do público alvo do “jogo” – “Baleia Azul”).

Antes de relacionar fatos, deixo aqui a explicação da funcionalidade do jogo:

Consiste em uma série de 50 desafios diários, enviados à vítima por um “curador”. Há desde tarefas simples como desenhar uma baleia azul numa folha de papel até outras muito mais mórbidas, como cortar os lábios ou furar a palma da mão diversas vezes. Em outra tarefa, o participante deve “desenhar” uma baleia azul em seu antebraço com uma lâmina. Como desafio final, o jogador deve se matar. O conjunto de tarefas se tornou preocupação para autoridades de diferentes países. A origem do jogo que incentiva o suicídio não é conhecida, mas os primeiros relatos surgiram na Rússia.

Autoridades policiais de diversos países afirmam que diversos casos de suicídios estão ligados ao jogo. Aí vem a questão central desta reflexão e provocação: o jogo por si só seria o maior responsável pelos casos de suicídios? Ou ele seria apenas um pretexto, uma ferramenta estimuladora para tais atos suicidas?

Inegavelmente o jogo é a clara demonstração da sociedade que construímos e estamos vivendo. Ele é apenas um instrumento que auxilia ou facilita a demonstração do quanto, cada vez mais, a vida tornou-se efêmera. A depressão avança na sociedade mundial em níveis matemáticos de Progressão Geométrica (PG). Segundo dados divulgados pela revista Exame, em 16 anos, o número de mortes relacionadas com depressão cresceu 705% no Brasil, mostra levantamento inédito feito pelo jornal O Estado de S. Paulo com base nos dados do sistema de mortalidade do Datasus (SUS). Estão incluídos na estatística casos de suicídio e outras mortes motivadas por problemas de saúde decorrentes de episódios depressivos.

Segundo especialistas, o aumento de suicídios e de mortes associadas à depressão está relacionado com dois principais fatores: o aumento das notificações e o crescimento de casos do transtorno. “Como o assunto é mais discutido hoje, há maior procura por atendimento médico e mais diagnósticos. Mas também está provado, por estudos epidemiológicos, que a incidência da depressão tem aumentado nos últimos anos, principalmente nos grandes centros”, disse Miguel Jorge, professor associado de psiquiatria da Unifesp.

Jorge explica que, além do componente genético, que pode predispor algumas pessoas à doença, fatores externos da vida atual, como o estresse e a grande competitividade profissional, podem favorecer o aparecimento da patologia.

E cada vez mais cedo os nossos jovens incorporam a vida adulta e suas responsabilidades, sem de fato, terem o preparo ou o controle psicológico para tal carga ou atribuições sociais. O grande inimigo dos pais talvez não esteja fora de casa como se imagina. Ele está dentro, mais precisamente em poucos metros quadrados, nos quartos desses jovens. Seus redutos, seus territórios, tornaram-se em muitos casos uma verdadeira fortaleza, quase intransponível aos pais e no referido recinto ocorre de tudo, um mundo se abre e se vive como uma “second life” naturalmente.

A “baleia azul” não é o primeiro jogo com o perfil desafiador ou que atente contra a própria vida. Pelo contrário, muitos outros são criados e ainda surgirão. Dentro do cerne de uma sociedade doente, com patologias que surge ao varejo, o jogo “Baleia Azul” é apenas um pretexto, mais uma ferramenta do mal. Podem vir a “onça pintada”, o “javali verde”, etc. a questão é como a sociedade funciona e o próprio mal que ela se auto produz.

Por.

Henrique Branco

 

 

 

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One thought on “Para além da “Baleia Azul”

  1. Muito boa reflexão, Branco. Tenho insistido em dizer que o grande problema não é o jogo em si, mas os fatores que têm levado as pessoas a jogá-lo e, mais ainda, levá-lo a sério.
    Acho que o caso é grave e as políticas de orientação da juventude nas escolas e em casa (pelos pais) devem ser revistas.

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