Maior dúvida é se estatal petrolífera possui dinheiro para tocar a vida .
A Petrobras surpreendeu o mercado ao apresentar um prejuízo líquido recorde de quase R$ 35 bilhões no ano passado.
Como nenhum executivo gosta de dar más notícias, o presidente da estatal, Aldemir Bendine, procurou apaziguar os ânimos, na coletiva de imprensa em que os números foram divulgados. “Um resultado contábil expressivo pode trazer alguma apreensão, mas soubemos enfrentar um quadro inimaginável no ano passado”.
Bendine referia-se, sobretudo, à forte queda no preço do barril de petróleo devido à desaceleração da economia global, liderada pela China, e pela decisão da Opep, o cartel de países produtores de petróleo, de manter o nível de oferta do óleo, apesar da menor demanda.
O principal impacto desse cenário nas contas da Petrobras foi sentido nas baixas contábeis (os impairments, no jargão do mercado). Entre baixas em ativos e investimentos, a estatal reconheceu que deixará de faturar quase R$ 50 bilhões.
Isto porque o preço do petróleo é uma peça-chave em qualquer projeto ou cenário traçado pela companhia – afinal, esse é o seu negócio.
Se a Petrobras olha para os próximos anos e estima que o petróleo estará (como já esteve) num patamar de US$ 100 por barril, vai calcular investimentos e lucros com base nisso. Mas, se o preço cai fortemente (como acontece atualmente) e dá sinais de que ficará nesse nível por muito tempo, o raciocínio é simples: vai faturar menos e nem todos os projetos permanecem comercialmente viáveis.
Logo, campos de petróleo que seriam rentáveis com o petróleo caro são revistos. Alguns podem até continuar dando lucros, mas não tanto quanto se imaginava. Reconhecer essa diferença é justamente a baixa contábil.
No caso da Petrobras, ela se concentrou em campos de exploração e produção – e, dentro disso, no projeto Papa Terra, explorado desde 2010, em parceria com a norte-americana Chevron. Localizada na Bacia de Campos, o investimento total na área é avaliado em US$ 5,2 bilhões.
Durante o encontro com jornalistas, no início da noite desta segunda-feira (21), a diretora de exploração e produção, Solange Guedes, afirmou que, além do baixo preço do petróleo, Papa Terra também enfrenta uma produtividade abaixo da esperada.
“Com outras tecnologias, é possível que a área alcance as expectativas”, disse.
Dinheiro no caixa
Em um momento de dúvidas sobre a saúde financeira da empresa, Bendine bateu na tecla de que as baixas contábeis não representam falta de dinheiro para a empresa.
“O impairment joga contra o resultado contábil e não contra o caixa”, afirmou. Traduzindo: aqueles bilhões de reais não saíram da “conta corrente” da companhia. Bendine observou, ainda, que a Petrobras encerrou o ano com quase R$ 101 bilhões em caixa, ante cerca de R$ 69 bilhões em 2014.
É preciso lembrar, contudo, que parte desses recursos veio de fontes que não são a produção e venda de petróleo e derivados.
Cerca de R$ 2,6 bilhões foram obtidos com a venda de ativos.
Outros R$ 26 bilhões vieram de investimentos em títulos e valores mobiliários; R$ 56 bilhões foram provenientes de captações no mercado; e R$ 23 bilhões vieram da valorização do dólar, que beneficiou as aplicações financeiras da companhia no exterior.
Na prática, uma parte importante do dinheiro que entrou na empresa veio do mercado financeiro e de crédito – ou seja, trata-se de uma petroleira que ganha pouco com seu produto, e se sustenta por outras fontes.
E, para este ano, a empresa já conta com US$ 14,4 bilhões em venda de ativos para sustentar o caixa e bancar seu dia a dia e investimentos.
Ovo dentro da galinha
O ponto é que, primeiro, não há certeza de que todo esse dinheiro vai, efetivamente, pingar na conta da Petrobras.
Além de o mercado mundial de petróleo estar em baixa, a crise da Lava Jato também pode afugentar potenciais sócios ou compradores.
Aos jornalistas, Bendine procurou amenizar os efeitos dos problemas políticos sobre os planos da companhia de vender ativos.
“A crise política não nos atrapalha em nenhum ponto. Estamos discutindo um ativo real”, disse.
“O que os investidores não gostam é de quebra de contrato, e a empresa não tem um histórico disso.”
De qualquer modo, todos os esforços da nova diretoria para resgatar sua saúde financeira não surtiram um efeito expressivo. A dívida total da companhia recuou ligeiramente, de R$ 507 bilhões para R$ 493 bilhões entre o terceiro e o quarto trimestres.
Além disso, o nível de endividamento subiu.
A relação dívida líquida sobre o ebitda dos últimos 12 meses subiu para 5,31 vezes, ante 4,77 vezes no último trimestre do ano retrasado.
Na prática, isso significa que a empresa precisaria consumir mais de cinco anos de geração de caixa para pagar todas as dívidas.
Somente em 2016, R$ 77 bilhões em obrigações vão vencer. Para Bendine, contudo, não há motivos para preocupação.
“Caso não haja solavancos, ainda temos capacidade de caixa para honrar compromissos até o fim de 2017″.
Para uma empresa que trabalha com projetos de longo prazo, não é, propriamente, um alento.