Revista Veja destaca Canaã entre o progresso e a destruição

Duas novas minas no Pará prometem modernizar uma atividade historicamente marcada pelas condições insalubres de trabalho e pela devastação da natureza. Mas isso só se elas não repetirem os erros do passado

Reportagem da revista veja desta semana mostrou como, na região norte do Brasil, no estado do Pará, no meio da Floresta Amazônica, dois projetos de mineração chamam atenção nacional e internacional. O S11D, da Vale, maior mineradora do país e a oitava maior do mundo, entrou em operação no fim do ano passado e deve atingir a capacidade máxima de produção de ferro em 2020. O que a consagrará como a principal de seu segmento em todo o mundo.

Já o projeto Volta Grande, da empresa canadense Belo Sun, ainda não tem uma máquina sequer ligada para por em pé a estrutura que extrairá ouro da região. Isso pela companhia enfrentar ações na Justiça que suspenderam suas atividades, impedindo o início das obras. As duas minas prometem dar nova — e melhor — cara à mineração, que até hoje era conhecida pelas condições horríveis que tinham de ser enfrentadas pelos trabalhadores, no garimpo, e pela destruição ambiental. Contudo, também podem, ao repetir erros do passado, causar impactos sociais e ambientais irreversíveis e injustificáveis. Nos relatos que seguem abaixo, moradores das regiões afetadas pelas duas novas empreitadas contam como essas iniciativas impactaram suas vidas.

Inaugurado em dezembro de 2016, o projeto S11D extrairá 90 milhões de toneladas de minério de ferro, a partir de 2020, tornando-se a maior mina do mundo em seu setor. Com tamanha magnitude, a migração para a cidade de Canaã dos Carajás foi intensa, pela promessa de emprego e nova renda.

Com o fim das construções, a expectativa é que 80% das empresas instaladas na cidade deixem o município até junho deste ano. Os reflexos já são vistos com o aumento de desemprego, e há receios constantes pela perspectiva de maior destruição ambiental na Floresta Nacional de Carajás, onde a mina foi construída.

No S11D, foram investidos R$ 45 bilhões no projeto, 90 milhões de minério de ferro serão extraídas a partir de 2020, 40.000 mim empregos diretos e indiretos, foram criados durante o pico das obras e 2.700 serão os postos de trabalhos ao longo da operação de mina.

Alysson de Sousa Silva

22 anos, técnico em meio ambiente

persona-alissonHoje funcionário do ICMBio, Alysson Silva trabalhou para a Vale como mecânico de manutenção no Complexo Carajás, outra mina de extração de ferro da empresa na cidade de Parauapebas, a 70 quilômetros de Canaã dos Carajás. Para Silva, a transição da Vale para o ICMBio foi como “passar do inferno para o céu”. Na função de técnico em meio ambiente, ele acredita em transmitir um senso crítico de preservação ambiental para as pessoas. Em 2012, Silva fundou a Cooperativa de Turismo de Parauapebas e, agora, quer exibir às pessoas como a área da Floresta Nacional de Carajás, onde o S11D opera, é “de propriedade de toda a sociedade, não apenas de uma mineradora”.

 

 

 

 

William José Ribeiro

33 anos, lavrador

Um dos entusiastas da Cooperativa de Turismo em Canaã dos Carajás, também faz parte de uma das famílias do Racha Placa, comunidade de cerca de 300 pessoas, desestruturada pela Vale. A família foi remanejada duas vezes. Na primeira, Ribeiro tinha apenas 1 ano de idade e saíram com a justificativa de estarem na zona de amortecimento da floresta. Na segunda, já na casa dos 20 anos, tiveram que se mudar por causa da S11D. Ele tinha propriedades rurais e vivia da roça. Hoje, pensa em preservar a floresta para que suas filhas, de 1 e 4 anos de idade, vislumbrem um futuro no qual a natureza esteja preservada.

Resaldo Ferreira da Silva

34, auxiliar de pedreiro

Casado, e com três filhos, está há três anos desempregado. É mais um entre os cerca de 15 000 desempregados em Canaã, por reflexo do fim das obras da S11D, que chegou a criar 40 000 postos de trabalho no pico da instalação. Seu último emprego foi para a construtora Andrade Gutierrez, na próprio S11D, e diz que “depois daquela bagunça que todo mundo sabe” o contrato foi rompido e não conseguiu mais um trabalho formal. Nesse meio tempo, fez bicos pela cidade. Ele sente que valorizaram mais os trabalhadores que vieram de outras cidades, ao invés de priorizar aqueles que são da região. O bairro onde ele mora, de Parakanã, tem cinco anos e surgiu com a expansão da cidade por conta da nova mina de ferro.

Senador José Porfírio

O município de Senador José Porfírio, no sudeste paraense, com cerca de 11 000 habitantes, tem a característica de ser “descontinuado”: parte de sua área está acima de Altamira, cidade que recebeu o fluxo migratório com as obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, enquanto outro trecho se localiza abaixo dela. Na porção mais ao sul, comunidades tradicionais ribeirinhas e tribos indígenas da Volta Grande do Xingu, região do rio que terá a vazão de água reduzida em 80% para o abastecimento da hidrelétrica, estão há cinco anos sem saber o que será de suas vidas por consequência da chegada da mina de ouro de Belo Sun à região.

No caso das vilas do Galo, da Ressaca e na Ilha da Fazenda, os moradores vivem na inércia: não podem ir embora, pois ali construíram suas vidas e têm suas casas, pelas quais esperam ser indenizados; mas não podem trabalhar, já que o garimpo, principal economia do local, foi interrompido pela vinda da empresa canadense. O descaso da companhia com a população foi um dos motivos que levaram a Defensoria Pública do Estado do Pará a entrar com uma ação civil contra a Belo Sun, resultando na primeira derrota da canadense na Justiça. Resultado: desde fevereiro, estão suspensas as obras da nova mina de ouro.

Enquanto isso, duas terras indígenas, a Paquiçamba e a Arara da Volta Grande do Xingu, a 13 quilômetros de distância da área onde a mineradora pretende se instalar, também temem a nova estrutura gigante a ser montada na região. Somado aos impactos da hidrelétrica de Belo Monte, não se sabe quais serão os efeitos colaterais da Belo Sun em seus modos de vida tradicionais, que incluem a caça de subsistência e a pesca, por exemplo.

A falta de informações sobre o impacto nos costumes indígenas foi o motivo para a segunda decisão desfavorável à Belo Sun, em abril, vinda do Ministério Público Federal. O órgão exige uma apresentação de dados mais precisos antes que estragos irreversíveis sejam causados. Agora, a Belo Sun precisa entregar soluções tanto para os ribeirinhos quanto para os indígenas. Confira os relatos de quem se viu inserido nessa dura realidade.

Por Jennifer Ann Thomas (texto) e Caio Guatelli (vídeos e fotos)

 

 

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