Prefeito, não é a primeira vez que lhe escrevo assim, de forma tão direta, acho que o senhor ainda lembra bem do colírio sugerido alguns meses atrás. Para ser bem sincero, eu não estou nada satisfeito, mas quem está? Não são tempos muito fáceis, não é mesmo, senhor gestor? Canaã está entre as cidades que mais arrecadam em todo o Pará e, mesmo com uma população menor que 50 mil habitantes, vive uma crise sem precedentes. O senhor sabia, por exemplo, prefeito, que tem muito comerciante pensando em ir embora daqui? De verdade, espero que o senhor tenha ciência disso e saiba que isso, o senhor admitindo ou não, é culpa do seu governo. Uma culpa passiva, mas ainda assim culpa.
Mas antes de lançar as farpas ao vento, eu gostaria de dizer que quase apanhei em uma roda de amigos quando tentei defender o senhor. É sério! Quase apanhei. Falei dos pagamentos feitos rigorosamente em dia, do asfalto e da crise no país, disseram que tudo isso não passava de obrigação sua e que Canaã não era, nem de longe, uma cidade comum. O que eu deveria ter respondido, prefeito?
Aos poucos a ficha caiu de que o senhor errou muito, escolheu gente errada, tomou decisões incorretas, seguiu caminhos ruins… Ah, prefeito, te defender virou tarefa difícil.
O senhor inchou a folha, iludiu todo mundo, deu segurança econômica para a turma e depois inventou um corte temporário nos rendimentos. Como defender o seu governo? Como não ver que o senhor caminha na corda bamba? Como não notar os seus olhos tristes e o seu semblante de desolação? Prefeito, na boa, eu não queria estar na sua pele. Nem eu nem ninguém. O senhor sabe que a única saída para os seus erros passados é a impopularidade. Me disseram até que quem está no poder pouco se importa com ser popular ou não… Duvido muito, Jeová Andrade, que o senhor esteja despreocupado com tanto negativismo. O senhor já reparou, prefeito, que tudo no município vira queixa contra o senhor?
A fome? Culpa do Jeová. O desemprego? Culpa do Jeová. Os rios que secam? Culpa do Jeová. A crise mundial? Culpa do Jeová. O Palmeiras não ter mundial? Culpa do Jeová! Não são dias bons, prefeito. Me arrisco a dizer que se a eleição fosse hoje o senhor não ganharia nem da Marilda, que ficou em 3º lugar. Mas e agora? Quais são as soluções?
Me arrisco a dizer que as suas opções são poucas. Não tem muito pra onde correr. O senhor vive numa corda bamba. Quando acerta, é obrigação. Quando erra, é um deus-nos-acuda. Acredito que não há meios de o senhor recuperar a sua imagem. Há secretários em sua equipe que têm o mesmo, ou até mais, poder que o senhor. Quem vai dar as cartas no final, prefeito? Quem vai segurar a sua mão quando a queda chegar? Quem vai arriscar apanhar na roda de amigos para defender o indefensável?
Escrever este texto me é muito pesaroso, pois ainda lembro daquele simpático senhor recém-empossada que zanzava por aí de bicicleta e era um exemplo de humildade e gratidão com cada voto que o colocou onde estava. Sinto falta, prefeito, de dias assim. Dias mais felizes, tardes mais agradáveis, sessões mais tranquilas. Não seria melhor, prefeito, ter aproveitado todo o tempo do mundo que o senhor teve, antes da crise chegar, para sentar e planejar como o município ficaria após a conclusão das obras do S11D?
Não é tão fácil pensar em um futuro ruim quando tudo vai bem, né? Eu entendo. A crise vai continuar por aqui e o seu inferno astral também. A corda bamba é longa, mas o seu coro é grosso e o seu governo deve resistir até o final. Como essa cidade chegará ao fim do seu mandato? Essa é uma previsão que eu nem me atrevo a fazer. Sou otimista, mas nada vai bem. Dá uma dor dos diabos no coração, mas a verdade é uma só: defender o senhor, eu não defendo mais. Vou muito apanhar por pouca coisa!
O senhor me entende, prefeito, sabe que eu quero o bem de Canaã. E quero que o senhor volte a andar de bicicleta por aí. Sem o risco de ser vaiado.
Acho que já chega.
Quando isso vai acontecer? Isso vai acontecer? Sei lá!
