Carta ao futuro, resposta ao passado Canaã dos Carajás

Olá, Canaã dos Carajás do Futuro, aqui quem fala é você no passado; ainda cá em 1994. Decidi lhe escrever, pois só o que se comenta nos dias de hoje é sobre “futuro”. Essa palavra é o vislumbre de tudo o que ainda está por vir e, pelo que dizem, eu, quando for você, daqui 22 anos, serei um sonho vivo.

Não me chamam mais Cedere II, agora sou “a terra prometida”. E ainda não sei bem o porquê; creio que você terá esta resposta e saberá bem o que isto, afinal de contas, quer dizer. Ora bolas, mas estou eu aqui ainda falando tanto sobre mim… Quero falar mesmo é de você.

Há rumores de que uma das maiores empresas brasileiras, a Vale do Rio Doce, virá até aqui, fará a exploração de nossas terras e trará benefícios maravilhosos para toda essa gente que aqui vive e que aqui acredita em uma vida melhor. Será muito positivo para esta região se formos conduzidos de forma correta e termos duas fortes vertentes econômicas, a agricultura (que já é das mais fortes) e também a exploração mineral.

Devo dizer que milhares de pessoas devem aparecer por aqui ao longo dos próximos anos e provavelmente vão chamar esta terra de “lar”. É um profundo desejo meu (e espero que também seja o seu) que estes forasteiros não tenham aqui mais sucesso que os pioneiros. Pois forasteiros não têm a capacidade de amar tanto uma terra quanto os pioneiros, isso é óbvio.

Por tudo o que falam, sei que seremos uma terra de oportunidades, de inclusão, de uma nova vida para quem acredita e quem semeia nesse chão. Eu acredito tanto em você, tanto, tanto. Um bom futuro a todos!

Olá, Canaã dos Carajás do Passado, sou você, em pleno futuro que você falou. Devo dizer que fiquei realmente surpreso com uma correspondência de tantos anos atrás. Não sou nem a sombra do que era antes, mas isso não deve ser uma completa surpresa. O tempo muda tudo; e eu mudei. E muito.

Estamos em 2017. Sou dezenas de vezes maior do que você em 1994. Sou um território reconhecido nacionalmente e tenho uma arrecadação bilionária. Temos vários bairros hoje em dia, asfalto, um comércio imenso, uma política consolidada e completa independência econômica.

E, sim, você estava absolutamente correta quando disse que milhares de pessoas viriam… Elas vieram. E fizeram de mim o que sou hoje. Devo repreender você por chamá-los de forasteiros, isso é uma maldade absurda. Uma cidade só cresce quando chega gente nova. Eles chegaram e eu cresci. Mas você é incrivelmente jovem e não consegue entender que quem adota uma terra pra chamar de lar também pode amar tanto (ou até mais) do que os próprios pioneiros. Ainda bem que pude aprender isso.

Mas eu me tornei, apesar de todo esse tamanho e representatividade, o que você não queria. Não sou uma terra de oportunidades, longe disso. Não sou a terra prometida, daqui nem emana leite e nem o mel… E é aí que mora toda a minha contradição.

A Vale do Rio Doce não se chama mais assim. Nem o Rio Doce existe mais, diga-se de passagem. Agora é a Vale. E ela veio para cá mesmo, conforme você havia dito. E trouxe o progresso, mas, por inércia da nossa população, a nossa agricultura foi sufocada. Não somos mais referência na agricultura e isso é triste, pois somos reféns da Vale. Se ela estiver bem, estaremos bem, se ela estiver mal, estamos mal. Você tinha toda a razão, deveríamos ter mantido as duas vertentes econômicas; teríamos, assim, duas atividades, uma seria independente da outra e poderíamos ser bem melhores.

Viver aqui custa caro, e é por isso que eu lhe digo, Canaã-do-Passado, que daqui não emana nem o leite e nem o mel. O custo de vida é absurdamente alto e eu não sei aonde isso vai nos levar. Ainda somos mal administrados, isso é óbvio. Acabamos de passar por uma nova eleição e, com muito pesar no coração, afirmo que nada mudou…

Não somos a terra prometida, ainda longe disso… Temos terríveis problemas sociais e o pior deles talvez seja a má distribuição da nossa renda. Mas não podemos desanimar…

Sei que quando se tem gente que semeia e que acredita, poderemos vislumbrar uma vida melhor. Ainda vivemos a promessa de dias melhores e 22 anos me transformaram. Sou muito maior do que um dia os pioneiros sonharam, mas ainda estou aquém de todas as expectativas.

Mas, uma saudação ao futuro! Quem sabe dos próximos 22 anos? Vai ver que até lá nós possamos ser, enfim, a terra que emana leite e mel, afinal de contas promessas precisam ser cumpridas.

 

Kleysykennyson Carneiro – Escritor, poeta, militante da esquerda, progressista, entusiasta do amor e da paz, pai da Maria e do Raul.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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