Belém, 400 anos. Uma senhora decadente

Coluna do Branco

Quando resolvi escrever sobre o aniversário de Belém, que completa quatro séculos de história, a primeira indagação surgiu: abordar fatos históricos? A memória da cidade? O presente? Projeções futuras? Postar um poema? Uma música? Ou retratar em um texto crítico a realidade que cidade vive? Venceu a última alternativa.

O título deste texto foi tomado de empréstimo do arquiteto e urbanista Flávio Nassar, na ocasião da entrevista que o referido concedeu em um jornal de grande circulação na cidade, alguns anos atrás. Analisando o processo histórico da ex-metrópole da Amazônia, título que ostentou por décadas e perdeu para a cidade de Manaus, no Amazonas, percebe-se que o termo utilizado no título é – infelizmente – apropriado e real, sem fantasias ou crises existenciais.

A capital do Pará completa no próximo dia 12, 400 anos. Fundada pelos portugueses em 1616, servindo de “porta de entrada” para a exploração da Coroa na região amazônica. Sem ter a pretensão de fazer abordagem histórica (isso eu deixo para os meus colegas historiadores), vale, porém, relembrar que a cidade de Belém três séculos depois de sua fundação era a cidade mais importante do Brasil e de melhor infraestrutura urbana do país. Há quase cem anos atrás a capital do Pará tinha mais importância que São Paulo e Rio de Janeiro, a capital brasileira na época. E o que fez Belém ficar tão para trás?

Explicar essa estagnação em relação as cidade do eixo centro-sul citada acima não é tarefa difícil, porém trabalhosa. Requer muitas abordagens históricas. Irei me eximir de tal responsabilidade e livrá-los de ler essa maçaroca de informações. A proposta deste texto é outra. Visa analisar o presente e projetar o futuro da capital do Pará. Belém é a 16º município mais antigo do Brasil, o segundo da Amazônia, ficando atrás apenas de Vigia de Nazaré, no nordeste paraense, o mais antigo da região.

A pergunta que fica no ar é: há o que comemorar nos 400 anos de Belém? Sem saudosismo, digo que não. Qual obra de grande porte ou que possa mudar a realidade da cidade foi entregue? Nenhuma. Há vários aniversários a capital do Pará comemora de forma formal, com bolo gigantesco em seu maior cartão postal (Ver-o-Peso) e solenidade de nossas autoridades. E só. Nada, além disso.

Geralmente em uma cidade de grande porte como Belém, o aniversário é marcado pela entrega de grandes obras, pelo menos, tornou-se algo cultural entre os gestores públicos. Simples pesquisa na internet comprova isso. Em Belém, há pelo menos 15 anos a festa é sem graça, sem presentes significativos e que melhorem, de fato, a vida das pessoas. A cidade completa quatro séculos, marca histórica e que deveria ter sido planejada há, pelo menos, uma década. Todas as obras que estão sendo realizadas (em passos lentos, fora do cronograma inicial) estão quase paradas. As intervenções dos poderes público municipal e estadual continuarão no ano corrente sendo feitas e não há garantia nem que sejam entregues. A capital do Pará em pleno 400 anos de fundação, tornou-se um centro urbano de obras paradas e abandonadas, uma caricatura da importância que já teve em um passado não muito distante.

Belém vai – infelizmente – se tornando uma cidade decadente. Esse processo vem acontecendo há pelo menos quatro décadas. Perdeu gradativamente a importância do passado. Deixou de ser a capital da região amazônica, a cidade mais importante do norte do Brasil, a porta de entrada para a região (com vantagem por sua posição geográfica). Manaus assumiu – sem grito – a dianteira e vai se distanciando à frente a cada ano.

A capital do Pará sofre (e isso pode explicar tal decadência em parte) de péssimas gestões que passaram pelo Palácio Antônio Lemos. A cidade parou no tempo. Sucessivas gestões ruins (atual conseguiu ser pior do que a anterior, considerada a pior na história da cidade) ocasionaram o atual cenário urbano. Nada de moderno no que diz respeito à organização urbana, sobretudo no trânsito, foi feito ou realizado. Em comparação com 20 anos atrás, a diferença é a criação de novas vias e só. Belém caminha para o colapso em sua mobilidade urbana. O maior projeto na área, BRT, não avança e se tornou um mero corredor expresso para ônibus convencionais.

Belém é uma cidade típica de um padrão econômico de centros urbanos brasileiros. Sobrevive do setor terciário. Sua economia é mantida pelo comércio e serviços, com alto grau de informalidade (chegou ao assustador índice de 40% do setor terciário), o que cria um grande rombo na arrecadação municipal. Costumo afirmar que administrar Belém é mais difícil do que o próprio estado do Pará. A Prefeitura não tem manobra orçamentária, o custeio da máquina e outros compromissos consomem mais de 60% do erário municipal. Sobra pouco para investimentos. Não por acaso, as grandes obras na cidade são sempre em parceria com os governos estadual e federal (com menor contrapartida da prefeitura). Portanto, a gestão de Belém não é para principiantes, amadores ou gestores que só possuem boa vontade, ou, em alguns casos, nem isso.

Outra questão que explica a decadência da capital paraense é o deslocamento da economia cada vez mais para os centros urbanos localizados nos interiores. O fluxo de capitais e investimentos continua a chegar a Belém, mas em volume cada vez menor, dividido entre a capital e outras praças, especialmente no sudeste do Pará, região que vai sustentando a balança comercial paraense, mesmo recebendo cada vez menos recursos do poder público estadual.

O fluxo populacional se inverte. Muitos deixam a capital do Pará e vão buscar melhores oportunidades em outras cidades. Belém vai perdendo espaço econômico na concorrência com outros municípios. Em 2013 havia perdido (recuperou recentemente em ranking divulgado a liderança no PIB) para Parauapebas (cidade localizada no sudeste do Pará e que abriga a maior reserva mineral do planeta) a liderança do PIB paraense.

Já escrevi diversas vezes sobre a economia paraense, externando preocupação sobre o futuro, sobretudo, econômico da capital do Pará, frente ao novo perfil das cidades do interior do estado. O processo de perda da importância economia e política de Belém parecem ser irreversíveis. Como bem resumiu Nassar: “Uma senhora decadente”, com quatro séculos de existência. De qualquer forma, parabéns Belém, cidade linda, mas tão mal cuidada por seus gestores e classe política de forma geral.

 

12006182_1468572010139284_2965935745697830044_nProf. Henrique BRANCO – Licenciado em geografia com pós-graduação a nível de especialização em Geografia da Amazônia – Sociedade e gestão de recursos naturais. Professor que atua nas redes de ensino público e particular de Parauapebas. Assina diariamente o “Blog do Branco”www.henriquembranco.blogspot.com além de jornal e sites da referida cidade.

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